24 - Mais que irmãs, sisters

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⚠️ Conteúdo sensível: violência, traumas físicos/psicológicos, estresse pós-traumático, xenofobia ⚠️

Como peritas no assunto, Tiffy e Libby tiraram de letra as tarefas consideradas básicas durante a estadia no Pântano. Sobrevivência era o segundo nome delas. No último século não fizeram nada além de sobreviver.

Depois que a guerra atingiu Anioly — o coração de Ciedlo —, fazer parte da família mais abastada e influente da capital pouco as serviu. Tiveram de se virar sozinhas.

A destruição não fez distinção de classes. O centro da cidade foi consumido pelas chamas. Saquearam diversos empreendimentos, inclusive os estandes de artesanato. Ao menos, pouparam os campos. Os ciedli atribuíram isso à misericórdia de Lux.

Com a cidade devastada, um estilhaço de metal enorme cravado abaixo de sua última costela, e a imagem de seus entes queridos perecendo diante de seus olhos gravada em sua mente, Tiffy não encontrou motivos para demorar-se ali. Tomou Libby pela mão e juntas elas fugiram para os prados.

Lux proverá, Tiffy dizia a si mesma, firmando a fé na deusa. E ela proveu. Ferida, dependendo da ajuda da irmã para se manter estável, Tiffy não poderia voar para muito longe. A providência divina, então, agiu a seu favor. Encontraram abrigo em uma campina nas proximidades de Anioly. O lugar era simples, mas serviu às suas necessidades.

A estadia naquele chalé na zona metropolitana durou alguns meses. As provisões na despensa, por outro lado, duraram somente alguns dias. Os armários vazios as impeliram a aprender a coletar e cultivar para se manterem. Talentos que sequer imaginaram possuir foram descobertos pelas irmãs.

Libby apaixonou-se ainda mais pela arte de voar ao zanzar por entre as árvores a uma velocidade absurda, colhendo frutos a todo vapor sem esbarrar em nada. Tiffy, ao contrário dela, era uma mulher da terra. Nunca pôs sua confiança e dependeu exclusivamente de suas asas como a caçula. Portanto, era revirando a terra úmida e sentindo o solo entre os dedos que encontrava paz. A paz que ela desesperadamente necessitava.

Ao começar a perseguir vultos durante a madrugada, perdeu-se. Virara rotina trancar portas e janelas, esconder-se debaixo ou atrás dos móveis, armar-se do que quer que encontrasse pela frente em busca de combater inimigos inexistentes. Estes eram os mesmos soldados do dia do Atentado. Mortos no mundo real, mas vivos em sua imaginação; florescendo nas horas mais escuras.

Não mais existiam boas noites. Eram apenas noites; repletas de lembranças ruins. Assim, buscava conforto na vitalidade das hortaliças, no aroma das flores no jardim, nos cultos que realizava sem uma congregação. Libby ecoava seus cânticos, em vez das centenas de vozes de sua comunidade, enxugava suas lágrimas, demonstrava apoio. Afinal, compartilhavam as mesmas perdas.

Apesar de basearem sua relação em uma série de provocações saudáveis, como ocorria com a maioria dos irmãos, as irmãs Lazzosdottir se amavam acima de tudo. Por conta desse amor, Libby tomou a decisão de fazer o possível e o impossível para ajudar a mais velha.

Uma das coisas possíveis, que ela pensou se tratar de uma boa ideia, era mudarem-se para um ambiente aconchegante. Familiar. Qualquer artifício era válido para deixar de encontrá-la adormecida atrás de uma barricada de poltronas, segurando firmemente preparados de pó de fada e dardos envenenados improvisados.

Desse modo, retornaram à casa da família, na capital. Esta situava-se em um bairro distante do epicentro dos ataques. Estava empoeirada, porém, intacta.

A princípio foi estranho. O palacete continha os resquícios da existência da família delas, retivera pedaços da essência de cada um deles. A cadeira de balanço de madeira nobre na qual o avô se sentava para contar-lhes causos permanecera na sala de estar. Os manuscritos dos poemas de Teena, sua mãe, continuavam sobre a escrivaninha, atados com um laço de fita rosa.

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