80 || O Reino das Sombras

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"Depois da Luz se segue a noite escura,

Em tristes sombras morre a formosura"

— Gregório de Matos, em "Inconstâncias dos bens do mundo"

Não haverá luz, prometia a história da gênese do universo

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Não haverá luz, prometia a história da gênese do universo. O fim do mundo fora determinado em seu início.

"Não haverá luz", pregavam os profetas do Apocalipse.

— Não haverá luz — sussurrava Umbra. Ansiava pelo início da Nova Era. Atraía seu reinado de sombras com o poder das palavras.

— Você não compreende — Lux intrometeu-se —, como sempre.

— Você é quem não entende — revidou Umbra. — Não aceita a derrota nem quando ela está à sua frente. — A deusa estendeu o braço na direção da guerra travada sob si.

Reunidas na morada dos deuses, no céu acima do céu, junto aos seus semelhantes, Lux e Umbra assistiam à batalha de camarote. Para as deusas, a distância física era nada. Viam o desenrolar dos embates como se estivessem lá debaixo. De certa forma, sempre estavam em meio aos mortais.

— Veja, irmã — insistiu ela. — Preste bem atenção em seus queridos filhinhos se destruindo. — Apontou para o caos há muito instalado no planeta. — Desta vez não precisarei mover um dedo — comemorou Umbra. — Igual a você, permanecerei indiferente, esperando por um equilíbrio. Por um mito da criação.

— Mito? — Lux meneou a cabeça. — Nossa existência não é mito algum. As leis não são mitos. A Lei Primária existe e será respeitada, quer você queira ou não. E o fim? Ele está próximo. Eu bem sei. Também sei que ele é necessário. Mas você não entende isso. Confunde meu silêncio com omissão...

— Confundo? Há o que se confundir num descaso tão óbvio? — indagou Umbra.

— Há muita confusão no óbvio — respondeu a outra deusa, evasiva.

— Enigmas e mais enigmas. Fale com clareza pelo menos uma vez. Admita a derrota. Agora é a minha Era. — Umbra cerrou o punho, enérgica, envaidecida pela força das próprias palavras. — Reconheça meu poder.

— Como queira — cedeu Lux. — Faça bom uso de seu poder. Esconda-se nas sombras, espalhe o veneno de suas palavras, contamine o ar com sua presença, atice-os, seja a mão oculta que corta a carne. Comemore o quanto desejar. Celebre a guerra, a desesperança, a morte. Aproveite seu reinado. — Dado o recado, a deusa afastou-se e recaiu sobre seu trono. Permaneceria em seu devido lugar, respeitaria a ordem natural. Ao contrário de Umbra.

Umbra obtinha um prazer especial ao bagunçar a vida dos mortais. Seu desprezo pela balança da vida era notável, em especial naquele sistema solar — onde encontrara solo fértil para plantar a discórdia. A deusa das sombras inclusive preparara terreno para a Grande Guerra. Desde muito antes do estopim, arava a terra do imperador Ausartakus, cravava suas garras na ambição de um homem avaro. Os fatos ocultos provavam isso.

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