Assim na Terra como em Batasuna

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Conteúdo sensível: luto,episódio depressivo

"(...) A raça humana
Não pode suportar muita realidade."

(T. S. Eliot)

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Brasil, São Salvador/DF

6 de agosto, 2081 D.C. – um mês depois do acidente

Morta. Sua Elena estava morta há um mês. Caixão fechado, sob a justificativa de que ela não aguentaria ver o estrago feito pelo atropelamento.

E agora? O que eu faço, meu Deus?

Viver para quê? Para quem? Por si? Disto havia desistido há tempos. Seu marido falecera há dez anos e ela mal conseguia ir a um encontro. Mesmo com o incentivo da filha, que se deu ao trabalho de instalar um aplicativo de relacionamento em seu celular, era difícil. O único jantar marcado ao qual compareceu terminou em uma madrugada de choro desenfreado.

Odiava o conceito de substituir um ente querido perdido. Nunca cogitara fazê-lo, nem era isso que Elena incentivava. Elena só queria que a mãe saísse mais, conhecesse alguém novo, não ficasse tanto tempo em casa com ela. No entanto, depois de Carlos, não havia homem para Luna. Em todo canto via o fantasma do marido, uma pessoa cujas recordações abundavam e falhavam.

Como podia não se lembrar do rosto do homem que amava com todo o seu ser?

Não tinha uma resposta precisa, mas suspeitava ter relação com o acúmulo de estresse.

O pico dos fatores estressores se dera em menos de 24 horas após a morte do marido, no dia em que sua casa fora revirada de cima a baixo. Todos os eletrônicos com capacidade de armazenar mídia e objetos de valor foram furtados. E o crime ocorrera ao meio-dia, coincidentemente durante a manutenção das câmeras de segurança do condomínio onde moravam.

Para piorar, trâmites legais, organização do velório e enterro terminaram de inquietar sua mente. A cabeça de Luna parara de funcionar como antes. Entre infortúnios e obrigações, os lapsos de memória surgiram. Ao mergulhar de cabeça no luto, percebeu que já não lembrava dele com precisão. As imagens mentais desfocavam, o rosto de Carlos era um borrão, contornos indefinidos eram seus traços.

O mesmo ocorrera a Elena. Presumira que a extensão do trauma lhes afetou os nervos profunda e irreversivelmente; tratava-se de uma amnésia compartilhada, consequência de uma perda significativa. No entanto, o que mais a incomodava não era a intensidade do impacto causado pela morte de alguém querido e amado. Sofrer pelo seu amante e confidente era esperado. Um crime pitoresco, que lhes tomou de assalto coisas preciosas, não.

Quando se deu conta, as únicas evidências físicas da existência de Carlos eram os recados em guardanapos, cartões de aniversário e dedicatórias nas contracapas dos livros de Elena. Estes escritos serviam apenas para atestar uma coisa: ele tinha uma caligrafia impecável. Se quisesse lembrar-se das feições dele, precisaria recorrer a outros artifícios. Mas quais?

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