53 - Marcha Soldado (Parte 1)

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"— Todo soldado tem pesadelos.
— Só aqueles que têm vergonha daquilo que fizeram."

"O Último Samurai" (2003), dir. Edward Zwick.

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Eutsi

13933 A. L. – 01h pós-Solis

A missão não saíra como esperado. Ao chegarem na cidade, nada encontraram além de cinzas e desolação. Crateras enegrecidas interrompiam calçadas e avenidas, transformando o solo do lugar na superfície da lua. O potencial salvamento de civis fora reduzido a uma missão de redução de danos. Em vez de um emocionante embate direto e feitos heroicos, fuzilariam eventuais inimigos que dessem sopa e socorreriam aliados feridos (se os encontrassem).

Pessoas carbonizadas, aqui e acolá, erguiam as mãos em busca de salvação. As almas que não foram extintas instantaneamente pelo míssil ansiavam por um golpe de misericórdia. Coube a Evan dar-lhes a dádiva de uma morte rápida.

Matar inocentes nunca fora o seu ponto forte. A profissão, no entanto, exigira-lhe isso mais de uma vez. Aqueles pobres batasunianos desavisados se juntariam aos outros civis nos pesadelos vívidos que o assolavam inadvertidamente.

Seguia, torcendo os lábios e suprimindo qualquer resquício de humanidade dentro de si para conseguir puxar o gatilho e ouvir o grito surdo do disparo do fuzil.

— Aguente firme. — Ouviu Evan.

Ao virar-se à procura de seu interlocutor, nada enxergou. Entre os prédios destruídos e a densa fumaça cinzenta não havia uma alma sequer. Seria possível que ele já estivesse perdendo a noção da realidade? Tão precocemente?

— Foi só o vento — disse para si mesmo, na tentativa de manter a cabeça no lugar.

Assim continuou: driblando escombros, paredes que ameaçavam tombar sobre ele e veículos deformados pelo calor intenso do projétil que devastara a cidade. Até o momento no qual sua pulseira disparou um alarme diferente. No lugar da típica vibração de alertas oficiais, houve um bipe similar ao dos pagers terráqueos.

— Merda — praguejou ele, antecipando o pior.

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Depois de serem intimados ao alvorecer e descobrirem qual a natureza do chamado, criaram expectativas de poder, ao menos, prestar um serviço significativo como soldados. Os ditos atos relevantes, por sua vez, andavam fugindo deles. No momento, restava-lhes contemplar o fundo do buraco lunar que engolira o centro da cidade.

— Foi um míssil BF 2000 — concluiu Hujo, após bater o olho na cratera. — Alguém anda com o dinheiro curto.

— Como sabe disso? — indagou Kai, com desconfiança.

— Já te falei: fui uma criança curiosa. E ainda sou curioso o suficiente pra ir de penetra em uns testes de armas por aí. Não é à toa que continuo fazendo visitas semanais ao meu velho, mesmo não sendo obrigado. Temos uma relação de mútuo benefício, por assim dizer. Eu conheço de perto a indústria bélica, que se relaciona intimamente com a minha área de atuação, e ele finge que é um bom pai só porque leva o filho pro trabalho. Simples assim. — Hujo deu de ombros.

— E por isso você é um especialista em crateras, além de PhD em runas rawines, hum? — provocou Kai.

— Já analisei e explorei uma boa quantidade de buracos nessa vida. Confio no meu discernimento. — Estalou a língua, retribuindo a provocação.

— Você é podre! — Elena o reprimiu, revirando os olhos. Não sabia o que a incomodava mais; se era o teor da conversa ou a profundidade alcançada pelo projétil.

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