17 || Quando em Rawin

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⚠️ Conteúdo sensível : violência física/psicológica, maus-tratos⚠️

Fosse a verdade ou a ilusão do malévolo Cronos, o importante era que Elena se considerava uma prisioneira condenada a passar a eternidade longe do que restara de sua família. Sem a sua mãe.

Procurava consolar-se com a presença de Evan. Ele ainda era seu melhor amigo, não era? Isso deveria contar como um ponto positivo. É, Elena. Você tem a companhia de alguém de quem nem se lembrava direito até outro dia. Alguém que eu dispensei só pra ficar sozinha, no escuro, lamentando a minha situação. Super reconfortante.

Afundava em si mesma enquanto o mundo escurecia ao seu redor. Permanecera no setor de práticas depois do encerramento do treino, sentada no banco mais próximo por não conseguir andar sem tremer dos pés à cabeça. De pernas moídas e ânimo abatido, atentava-se ao pôrdo sol.

Era o sexto dia da semana e Elena ainda não se acostumara com a beleza que havia em meio ao caos.

Quando o sol desapareceu, ela fechou os olhos e enxergou o mundo que a circundava. Sentiu a brisa quente, ouviu os sons da natureza, dos animais conhecidos e desconhecidos. Tão diferente da minha rua...

De fato, o vapor quente da poluição, o barulho infernal das buzinas dos motoristas impacientes, as pessoas apressadas nada tinham em comum com a quietude das noites no Centro de Treinamento. Do mesmo modo, o homem que se aproximou dela nada tinha em comum com os quais estava acostumada.

— Você por aqui, Terra? Ficando depois do horário? Por essa eu não esperava. Só não vá perder o jantar, hoje eu estou meio sem criatividade.

Luuk calou-se ao vê-la voltar-se a ele com lágrimas silenciosas escorrendo pelo rosto.

— Tem certeza de que você existe? — interrogou-o, ainda em prantos.

Luuk continuava surreal. Era prestativo, empolgado, engraçado, estonteante e fazia penteados como ninguém. Ele deve ter algum defeito, não é possível alguém ser tão perfeito assim. Deve ter um bafo horrível... ou frieira. Usar botas o dia inteiro sempre dá nisso.

— Claro que eu existo — asseverou-a, pondo uma mecha de cabelo rebelde, que escapou da trança frouxa, para trás da orelha dela. — E você andou melhorando suas habilidades. Talvez daqui a cinquenta anos você conseguirá fazer uma trança decente. — Luuk deu uma piscadela.

— Muito engraçado. — Elena revirou os olhos apenas para render-se a um relutante sorriso.

— Agora que você tá entretida e rindo horrores, que tal me dizer o que houve?

— Nada. Eu só estava descansando. — Desviou o olhar e passou a fitar as mãos, que se encheram de calos depois de horas segurando um punhal no treino da manhã anterior. — Não é culpa minha terem chamado a mulher mais sedentária do Brasil pra participar de um treinamento absurdo e perigoso. Eu não sou a filha do Rambo. Depois de passar a tarde inteira pulando igual uma rã, nem minhas pernas eu estou sentindo. Se contar as minhas quedas, a situação só piora.

Luuk desconhecia o personagem Rambo, entretanto, percebera que o motivo da tristeza dela não era somente a natureza desgastante do treinamento.

— Então devo acreditar que você tá sozinha, à noite, chorando num banco qualquer por causa de uma fadiga muscular? — Ele tomou a liberdade de sentar-se ao lado dela antes de continuar a falar. — Você quer fugir.

— Eu? Quem disse isso? — Elena cerrou os punhos, espantando-se com a precisão da observação dele.

— Seus olhos. Sua postura. Tudo. Não precisa mentir pra mim. Eu te entendo, Terra.

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