74 || No bar, todo mundo é igual

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"É preciso chorar. A lágrima que não cai para fora escorre para o lado de dentro. Gota por gota, o interior fica alagado, até asfixiar. É assim que o sofrimento nos mata, alagados."
— Lucas Lujan, em "Tamanho de Flor"

Ainda de mãos atadas, Elena ergueu-as para limpar o rosto com o antebraço

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Ainda de mãos atadas, Elena ergueu-as para limpar o rosto com o antebraço. Murmurava toda sorte de xingamentos e, com igual fervor, controlava o volume de sua voz com maestria para sua mãe não soltar o típico "essa não foi a educação que eu te dei".

Elena sentiu-se tentada a pedir uma passagem de volta à masmorra de Eumin quando puseram o grupo inteiro, à base de empurrões, em uma cela digna da Casa de Detenção de Carandiru.

Nessa demonstração de delicadeza, deram atenção especial ao soberano de Erori. O guarda, antes de o conduzir gentilmente Yamanu para dentro da cela, removeu o capacete do Soberano — curioso para revelar o mistério por trás da superfície espelhada. Como tantos outros, esperava um rosto vil, desfigurado, uma criatura aterradora. Desta feita, a decepção de encontrar o extremo oposto das expectativas expressou-se num torcer de nariz acompanhado por um empurrão mais bruto.

Graças a essa amabilidade, Yamanu tropeçou ao pisar em falso sobre uma pedra parcialmente solta e desnivelada. Não fosse pela sua graciosidade e equilíbrio, teria ido ao chão. Isso estava fora questão. Dar-lhes o gosto de vê-lo humilhado, tentando se reerguer com as mãos atadas? Nem pensar!

Perplexos, seus colegas de cela acompanhavam seus movimentos com atenção. Fitavam suas feições com atenção. Transpareciam estranheza, uma surpresa benévola, sem o julgamento severo demonstrado pelo guarda.

— É rude ficar encarando os outros — alertou Yamanu antes de se sentar num banco estreito adjacente à parede, cujas pedras em seu estado bruto estavam cobertas por limo.

Os outros entenderam o recado e alternaram o foco para tomar conta de suas próprias vidas, ou melhor, o que lhes restara delas. Ninguém sabia ao certo como proceder, fosse pelo falar ou pelo agir.

Por uma ironia do destino, tinha ido parar ao lado de Elena — a terráquea que tanto suscitara estranheza quando a assistiu ao vivo e em cores. Em nada se parecia com a moça atrapalhada dos relatórios de sua estúpida Inteligência. Aquela jovem, assim pensava, não teria a audácia de se impor frente a uma oficial da mais alta patente e Conselheira renomada de Sua Majestade.

Para sua surpresa e deleite, contrariando as expectativas, a princesa — que sequer sabia de sua condição até o presente dia — por pouco não foi empalada e exposta nos muros da cidadela, como nos tempos bárbaros do reino de Nexi, por desacato às autoridades.

Não tinha a mínima duvida que a coronel Wu de fato cortaria a língua dela caso se sentisse ofendida com as próximas palavras da humana. Mesmo assim, ficara nítido o desejo refreado de cobrir a mulher de ofensas (talvez até agredi-la, ainda que duvidasse da eficácia dos golpes de uma soldado recém-formada contra a experiência de alguém que vivenciou a guerra de perto desde cedo).

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