72 || Tuco

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Fora preciso o malabarismo do milênio para sair de fininho de uma capital em estado de alerta depois de uma colossal derrota na linha de frente, perda total de 11 naves, dissolução de barreiras, recuo das tropas e dispersão da retaguarda.

Em tese, deveriam confiar na intransponível Redoma, tranquilizar-se, no máximo, rogar pela proteção extra de Lux. A realidade, por sua vez, era outro assunto. Envolvera toque de recolher, bloqueio das fronteiras, confinamento da nobreza na cidadela real, armamento de quem estivesse apto a lutar mesmo entre os civis.

Frente aos obstáculos, Reuben recorreu a uma ajuda divina independente da providência da deusa. Conhecendo o palácio de cabo a rabo, esgueirou-se pelas passagens mais remotas, longe das câmeras e da Guarda Real. Adentrou o Templo pela porta dos fundos, acessando os aposentos do sacerdote da matriz, seu único amigo dentro daqueles muros.

— Meu príncipe — disse Argi, cumprimentando-o com um aceno de cabeça. — Está na hora, correto? — indagou, embora soubesse a resposta.

O rei anuiu, iniciando a preparação — física e mental — para enfrentar uma jornada repleta de turbulências. Viajar à moda antiga conseguia ser pior do que as primeiras experiências com teletransporte convencional. Tontura, desmaios, náusea: mamão com açúcar em comparação aos efeitos colaterais daquele meio de transporte.

Argi alcançou o medalhão de ouro, puxando a corrente ocultada pela sua túnica, no qual se encontrava gravada a estrela de sete pontas com um diminuto quartzo transparente cravejado ao centro. Recitando as palavras "Irek espazi et denbo atari", conjurou o Portal (com P maiúsculo, pois ele estava longe de ser um substantivo, ou portal, comum).

A misteriosa passagem surgira num piscar de olhos, junto ao clarão da aurora, inundando a sala como uma extensão do astro rei e ofuscando a vista deles.

Era impossível olhar diretamente para o Portal, fosse pelo excesso de luz, capaz de cegar alguém, ou pela própria natureza dele.

Não se tratava de ciência kreler que, apesar de milenar, avançada e de amplo espectro — englobando desde os grandes centros de teletransporte até aparelhos portáteis e nanodispositivos inseridos em joias —, sequer tangenciava a potência daquela diminuta pedra na corrente do sacerdote.

Lendas especulavam sobre a gema perdida, sobre esta ser uma recompensa na jornada de um herói e apenas os mais valorosos, após enfrentar vulcões, enchentes, furacões, terremotos — quatro desafios dos quatro elementos —, a obteriam. Outros a consideravam um mito, história de ninar para deixar as crianças esperançosas com a possibilidade da existência de algo tão poderoso a ponto de interferir no próprio tecido da realidade, remodelar tempo e espaço.

Nenhuma das alternativas anteriores condizia com a realidade.

O simples silicato não passava de poeira cósmica, soprada pela explosão primordial, e capturada pelas mãos da deusa. Fora um presente de Lux aos primeiros mortais que a cultuavam. Entregara-lhes uma fração das estrelas para os recordar de que todas as criaturas abaixo e acima do céu foram feitas da mesma matéria e, embora a morte somente cingisse a vida dos que estavam sob o sol, compartilhavam o mesmo universo.

Lux zurek ego dad, nir printze — desejou o sacerdote, consciente do quanto Reuben precisaria de Lux para guiá-lo na próxima etapa, na qual ambientes e pessoas hostis o aguardavam.

Eskask, nir lagu — agradeceu o rei, transparecendo seu receio na fala falhada.

Apesar de tão simples em composição, o Portal era complexo em ação. Nenhuma ciência explicava como alguém poderia aparecer onde quisesse e no instante desejado — permitindo até a existência simultânea e o encontro de duas versões da mesma pessoa —, sem provocar ondas de alterações catastróficas na linha temporal. Nenhuma ciência permitiria a saída do rei sem antes deixar rastros no histórico de transportes na Central do Governo.

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