12 || Saudades do meu ex

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Kai sabia que reviveria os piores anos de sua vida nos próximos meses no momento em que Hujo adentrou o quarto sorrindo cinicamente e dizendo:

— Olha só quem a maré arrastou de volta pra praia! Diga aí, Hayato, sentiu saudades de mim?

Desviou a atenção de seus afazeres momentaneamente para demonstrar seu desprazer.

— Se toca, Hujo! — reprovou-o.

— Não preciso. — Jogou-se na cama. Seu peso fez com que Kai desse um pequeno pulo.

— Vem cá, você fez curso pra ser chato assim ou o quê?

— Já ouviu o ditado "quem desdenha quer comprar"? — Hujo elevou as sobrancelhas, se insinuando.

— Comprar? Só se for uma passagem só de ida pra bem longe de você.

— Ah, como eu senti falta de você, garoto! — Arrastou-se na cama e abraçou-o, deixando Kai mais emburrado e indisposto.

— Queria poder dizer o mesmo. — Voltou a atenção à projeção holográfica diante de si, dando-lhe a entender que não desejava conversar.

Ele estava trabalhando em algo sério, não tinha tempo para distrações. Necessitava aproveitar cada milésimo de segundo dos horários livres. E deveria fazê-lo discretamente, sem denunciar-se.

Fora astuto o suficiente para escapar do confisco de eletrônicos. Aos desinformados, seus óculos pareciam um simples apetrecho para remediar sua miopia, cujas ferramentas não passavam de auxiliares da visão.

Contudo, o modelo — de fabricação própria — fazia parte de uma série de acessórios comuns aos quais ele planejava integrar um software de inteligência artificial capaz de superar as limitações dos sistemas sensoriais orgânicos e auxiliar em tarefas do dia a dia.

Infelizmente, os óculos e HUI (a I.A. desenvolvida por ele) eram protótipos. A eficácia não comprovada destes o incomodava. Todavia, não mais do que o fato de as pessoas recrutadas encontrarem-se incomunicáveis, isoladas do resto do universo conhecido. Não mais do que o motivo da escolha radical de Eutsi.

Seu tio era um dos conselheiros. Sendo assim, Kai estava relativamente por dentro do que acontecia no coração de Erdi, no inviolável palácio construído por Ausartakus. Ele sabia que essa medida servia a apenas um propósito: aplacar as paranoias do Conselho Real.

Caso fosse descoberta uma infração tão severa, nem a influência de sua família conseguiria livrá-lo das consequências. Felizmente, Hujo não o denunciaria. Este seria mais um de seus segredos. Apesar de julgar o estilo de vida do colega como irresponsável e questionável, Kai entendia a importância da lealdade para Hujo. Eram, de certo modo, cúmplices.

Hujo pretendia se levantar, pegar suas coisas e sair para tomar banho. Contudo, interrompeu-se na beirada da cama, lembrando-se de um detalhe importante.

— Preciso te pedir um favor.

— De novo não — resmungou Kai.

— Se alguma Syre aparecer me procurando amanhã cedo, você pode dizer que eu já fui pra Arena? — antes de Kai negar, ele continuou: — Eu prometo que dessa vez vai ser diferente. Eu saio pela varanda. Ninguém vai ver nem te chamar de mentiroso.

— Hum... Não mesmo. Não vou tomar outro soco por você. Desista.

— Quem falou em soco? Te garanto: desta vez vai ser diferente. Confia em mim.

— Confiar em você? — Kai gargalhou. — É o mesmo que confiar em não se queimar depois de ter colocado a mão no fogo.

— Assim você me magoa. — Hujo franziu os lábios.

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