26 - Pó de fada

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⚠️ Conteúdo sensível: violência física/psicológica, traumas⚠️

Aproveitadora! — Tiffy acusou-a em silêncio. Ter dons como os seus ajudava nas horas em que não podia falar.

Libby lançou-a um olhar reprovador por cima do ombro. A irmã mais velha deu de ombros e assobiou, dissimulando inocência.

Como se você não fizesse o mesmo com o terráqueo... — a mais nova resmungou em pensamento. A voz penetrou a cabeça de Tiffy no volume mais alto possível. As palavras reverberaram, com notas de irritação.

Tiffy emburrou-se, a caçula havia a alfinetado onde doía. Tanto no campo psíquico quanto no afetivo. Enquanto Libby considerava a telepatia da irmã mais velha apenas um atributo que a aproximava da perfeição, Tiffy a suprimia e a encarava como um fardo na maioria das vezes. Desagradável era pouco para definir o que sentia quando cometia deslizes e terminava ouvindo pensamentos indiscriminadamente.

Não bastasse o resmungo de Libby tê-la lembrado do quão inconveniente ler mentes poderia ser, também tocou nos assuntos dela com o terráqueo. Entende-se por "assuntos" todas as vezes, nessas poucas semanas, nas quais ela se aproveitou de qualquer abertura para abordá-lo. Conversar verbalmente saciava a tentação de invadir a cabeça dele outra vez.

Inclusive, havia cometido a indelicadeza mais vezes do que gostaria. Indulgenciava apenas uma delas, a primeira de todas, quando se conheceram. Na hermética sala branca, o barulho da mente dos dois humanos logo chamou sua atenção. Os pensamentos dele, particularmente, capturaram-na.

A princípio, não invadira a privacidade dele por mal. Fora difícil controlar-se após ser transportada de um planeta para outro sob efeito de uma forte sedação. Ficara atordoada com as vozes dos outros três — dentro de si — competindo por atenção.

Considerando-se que fizera como os humanos e "esticara as pernas" voando pelo cômodo para espantar o efeito da medicação, saíra-se relativamente bem no quesito autocontrole. Ao adentrar o inconsciente dos terráqueos, vasculhara apenas o presente.

Após a breve varredura psíquica, não conteve o riso ao notar a disparidade entre ele e Elena. A pobre moça era um turbilhão de preocupações, perdera as contas do quanto ouvira o termo "mãe" sobressaindo em meio ao barulho dos pensamentos. Solidarizava-se e entendia a dor dela, mesmo passando a mensagem oposta através do seu sorriso congelado.

Se Evan não tivesse roubado sua atenção, ela teria se ocupado de acalmá-la. Ao menos, dizia-o a si mesma, na tentativa de amenizar o sentimento de negligência. Tiffy preservava a natureza de diaconisa, seu maior dever era ajudar ao próximo e ela "falhara" por haver se ocupado do homem com uma curiosa cicatriz no rosto.

A mente anuviada de Evan transitava entre os ocorridos das últimas 24 horas, entre a Terra e Batasuna. Desorientado, pensara ter fantasiado com elas — principalmente por conta do reencontro com Elena. A ideia divertiu Tiffy e despertou interesse naqueles devaneios pouco ortodoxos. Filtrara os pensamentos da irmã e de Elena para concentrar-se somente nos dele.

No entanto, não estava disposta a admitir o seu apreço pelo terráqueo. Sendo assim, diante da acusação de Libby, desconversou.

— Nada a ver. Nós só conversamos de vez em quando. — Rebateu, crispando os lábios.

Sei, sei... A mentira tem pernas curtas, sabia? — Libby seguiu em frente, deixando-a com o peso da pergunta retórica.

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Tiffy insistia nessa conversa para boi dormir desde o primeiro dia em Eutsi. Libby adorava provocá-la, dizendo:

— Faltou babar no terráqueo pra ficar mais óbvio, hiza. — Enfatizou o termo dito em ciedli arcaico. Chamá-la de "irmã" era o prenúncio do quanto a tiraria do sério em questão de segundos.

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