10 || Corra, Forrest! | Grandão, sem medo |2

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⚠️ Conteúdo sensível: violência e traumas físicos/psicológicos⚠️

Como ela vai conseguir se livrar disso? Evan torturou-se com a pergunta durante todas as corridas. No momento, sua única preocupação era Elena.

O presente o chamava. Mais precisamente, Zoya o chamava. A hora de submeter-se à prova havia chegado.

Ele era familiar a tarefas do tipo. Sendo assim, assumiu que não era muito diferente do que se sujeitara ao alistar-se no Exército Brasileiro.

Quantas vezes passara por algo semelhante? Quatrocentas? Quinhentas? Mil? Não saberia dizer. Somente a primeira vez foi inesquecível; e não por uma boa causa. Era de se esperar que um menino rico fazendo as vezes de soldado raso encontrasse dificuldades naquele ambiente.

No passado, o batalhão inteiro o importunou por dias a fio depois de seu primeiro fiasco no treinamento. Havia rasgado a camisa (e as costas) no arame farpado e esfolado as mãos ao tentar escalar com uma rústica corda. Dera-lhes substrato para fazerem pouco caso dele.

Felizmente, o cenário havia mudado com os anos. Evan estava calejado em todos os sentidos. E era bom no que fazia, ainda que o que fizesse não fosse bom.

Todavia, apesar da relativa experiência com atividades dessa natureza, assistir às outras provas o encheu de dúvidas. Começara a correr, driblara os obstáculos habilmente, mas não conseguia se livrar da estranha sensação de que havia algo de muito errado acontecendo nos bastidores daquele show de horrores. Talvez ele não fosse se dar tão bem quanto pensara inicialmente.

Pouco me importa agora. Tal iluminação o atingiu em cheio no meio da décima volta, quando já havia percorrido metade do trajeto e mesmo assim nenhum obstáculo aparecera. Nesse momento de puro estranhamento, foi puxado pelo tornozelo.

Não fossem os anos de prática, teria caído e se machucado... muito. Ainda empenhado em se equilibrar, olhou para baixo com curiosidade. Uma mão — aparentemente humana — o agarrava.

Fosse quem fosse o dono daquela mão, apertava-o com força e tentava o arrastar para o buraco de onde havia surgido. Tendo ele resistido aos puxões, ganhou distância daquela abertura suspeita.

Em resposta, o pequeno quadrado escuro atrás dele se alargou. A mão que antes o segurava apoiou-se no chão. Pôde ver outra mão e posteriormente braços, cabeça, ombros, tronco; uma pessoa inteira. Uma pessoa conhecida.

— Eileen? — perguntou, mais alto do que desejara. — Não é possível.

Ela sorriu. Os óculos de grau arredondados e sem aro deixavam o corte Chanel de seu cabelo ainda mais clássico. A saia lápis descendo-lhe até os joelhos dava-lhe um ar excessivamente formal. Estava impecável como sempre.

Não a via há anos, mas aqueles olhos azuis e cabelos pretos eram inconfundíveis, compunham a marca registrada dos Blair. Além disso, em hipótese alguma ele se esqueceria da sua irmã favorita.

— Vamos brincar? — a voz levemente fragmentada, sintética, lembrou-o a do Google Tradutor. — Preparado ou não, lá vou eu! — ela anunciou.

A dúvida se tornou uma certeza: aquilo era artificial. Por anos, Evan ouvira a mesma frase sair da boca de sua irmã mais velha. Entretanto, nunca de uma maneira tão fria e robótica. O androide tinha a mesma aparência de Eileen, o que, aos olhos dele, profanava as memórias que guardava com carinho.

Percebendo que ela realmente avançava em sua direção, começou a correr. Depois de algumas passadas, deparou-se com algo pior.

O homem em um terno Dolce & Gabbana cinza era como uma prévia do seu futuro; do futuro que ele teria se houvesse seguido o plano de seus pais. Evan era a imagem e semelhança do homem que, ano após ano, estampava a capa da Forbes quando se listavam os vinte maiores bilionários do Brasil.

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