27 - Sobre Meninos e Esquilos

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Até que enfim, pensou Elena ao terminar a derradeira tarefa. A lista de afazeres do penúltimo dia no Pântano fora caprichada. O relógio marcava 6 horas pós-Lunaris. Não lhe sobrara um pingo de energia, entretanto, sabia que poderia ter sido pior. Ao menos, dessa vez, não dormiria faminta, visto que os trios eram responsáveis pela própria alimentação.

A semana de "Terror no Pântano" os colocava na posição dos participantes de reality shows de sobrevivência na natureza. Cumpriam tarefas básicas e missões simuladas, comiam, dormiam e acordavam no outro dia para serem testados pela mesma sequência de atividades, porém com nova roupagem. Ou seja, desgaste sobre desgaste.

Elena e os colegas haviam passado horas em uma missão de busca e captura. Quase perderam por sete a um ao procurar o alvo, um intxasagu sorrateiro idêntico ao seu velho nêmesis do bosque do Centro de Treinamento, mas deram a volta por cima.

Kai, ao contrário de Dante, beneficiou-os por conhecer os "alemães" [1]. Apreciava leituras consideradas entediantes, por conta dessa inclinação havia se aprofundado na história batasuniana e nos animais nativos. Apresentou a Elena e Hujo as particularidades da espécie imprescindíveis à missão, levando-os a acreditar possuírem uma vantagem astronômica.

— Não se enganem pelas aparências. Esses esquilos alados fofinhos ficam bem bravos se o território deles é invadido, mordem ao menor sinal de ameaça — alertou-os, por fim.

— Não diga — Elena deixou escapulir, sarcástica.

— Eu disse alguma coisa muito óbvia? — sussurrou a pergunta para Hujo, que o respondeu dando de ombros.

Intxasagus eram onívoros, mas geralmente comiam sementes e não tinham mandíbulas fortes o suficiente para se alimentar de animais de grande porte. A despeito do quão ariscos eram, seus sentidos ficavam aquém do comportamento antissocial. Não apresentavam real ameaça, entretanto, eram velozes. Aquela pequena criatura poderia fazê-los correr atrás dela por horas a fio se assim desejasse. Teriam de agir com rapidez e precisão.

Quando finalmente encontraram o dito-cujo, cercaram o animal. Até a própria Elena torceu para não ser ela a responsável por deixá-lo escapar. Era desnecessário ressaltar o quanto ela pecava nos atributos necessários à missão, mas lá ela estava; concentrada em dar passos firmes e silenciosos. Mesmo a audição precária dele ouviria um tropeço. Qualquer indiscrição diminuiria suas chances de êxito, portanto, deveria evitar cometer uma gafe.

Ter deixado a abordagem amigável de lado evitara a reprise da mordida do bicho, porém, não diminuíra a dificuldade de capturá-lo e remover o microchip preso em uma coleira — item necessário para finalizar a tarefa.

No instante em que o esquilo-morcego percebeu estar encurralado e principiou uma fuga, Kai precisou de toda a sua velocidade para agarrá-lo e da ajuda de Hujo para finalizar o serviço. O kreler, sem demora, agachou-se ao lado de Kai — que segurava o inquieto intxasagu contra o chão, perdendo o controle sobre o pequeno ser a se debater sob suas mãos a cada segundo decorrido.

No fim, Kai nem precisou permanecer o contendo por mais tempo. Em um piscar de olhos, Hujo tinha tirado a coleira do pescoço do animal. Boquiaberto, Kai o soltou, sequer notando-o sair correndo em disparada. Pasmara-se de fato com Hujo chacoalhando a coleira enquanto um sorriso cafajeste enfeitava o belo rosto dele.

Aquele tipo de sorriso trazia-lhe sentimentos ambivalentes. Precipitava uma vontade de elogiá-lo pela agilidade e socá-lo pela presunção implícita naquele simples repuxar de lábios. Previa a aniquilação de sua paciência tão logo ele começasse a se gabar. "Hayato, mandei bem, né?", seria o provável início de outra adorável noite convivendo com o "auto massageador" de ego.

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