25 - Quem tem medo do escuro?

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⚠️ Conteúdo sensível: violência física/psicológica; segregação; o golpe tá aí, cai quem quer⚠️

Mille tirara a sorte grande ao ser agrupada com as fadas. Poupara-se do trabalho e do tempo que seria dispendido em caçadas, visto que elas eram vegetarianas. Para além da capacidade de voar, tinham uma audição avantajada que deixava qualquer tarefa de rastreamento infinitamente mais fácil.

A última missão do dia seria moleza, pensou inicialmente. A noite caindo à medida que adentravam as profundezas da floresta, por sua vez, discordava dela. Nem o isolamento térmico do uniforme foi capaz de impedir os calafrios que percorreram seu corpo. Havia algo de frio e assustador nas noites, algo responsável por sua inquietude.

— Sentindo frio? — o toque da fada de cabelo rosa voltou a atenção dela à sua expressão curiosa.

— Um pouco — respondeu secamente, com a intenção de não se aprofundar no assunto.

Percebendo a retração de Libby e a indelicadeza com a qual respondera a inocente pergunta dela, buscou retratar-se trazendo à tona um evento passado para justificar o presente.

— Sabe aquele dia, na primeira prova? — Libby anuiu. — Nunca te disse, mas fiquei feliz por você ter me desejado boa sorte. Eu precisei — confessou.

Ninguém fazia a mínima ideia do que acontecera. Apenas pasmaram-se com o fato de ela ter desaparecido e reaparecido ilesa depois de alguns minutos. A maioria supusera que a prova dela fora fácil e desproporcional a dos demais.

Sendo assim, Mille contou-a sobre como fora sugada para o subsolo e o quão aterradora fora sua experiência. No entanto, lembrou-se de omitir o quanto de autocontrole esta requereu. Precisava manter as aparências, insinuar que os desafios foram fáceis demais, beirando a insignificância. Escolhia cautelosamente as palavras para manter a conversa amigável sem revelar muito sobre si.

— Lá embaixo foi... solitário... — suspirou. — Eu estou acostumada com pessoas, entende?

Libby entendia perfeitamente. Respondeu com um aceno de cabeça, estimulando-a a prosseguir.

— Pode parecer meio bobo, mas eu detesto o escuro. Não é medo, eu só... não gosto.

A escuridão, de modo geral, a lembrava das noites no Conjunto Habitacional de Riwisia — quando o negrume de uma quitinete era tudo que ela possuía. Eram tempos difíceis, que de bom grado ela esqueceria, se conseguisse. Por isso a desprezava tanto quanto aos tempos sombrios de sua vida.

Mille não era uma das afortunadas. Nascera na maior metrópole de Savreno, às portas de um hospital beneficente qualquer no Lado B da cidade. O lugar de onde viera era um pedaço do universo esquecido pelas deusas. No submundo do mundo de arranha-céus e glamour, fora ensinada a agradecer por ter alguma coisa em meio aos que nada tinham.

Quem não pertencia ao Lado A da sociedade savrene tinha duas opções: dar-se à prostituição ou ao subemprego. Na opinião dela, ambas eram pavorosas.

Não pretendia virar a concubina de um governante qualquer e esperar ter a mesma sorte de Jel'tje, que foi desposada por Azea, o pai do atual Soberano de Erori. Nem queria correr o risco de ser uma das garotas que partiam em uma espaçonave luxuosa rumo a Rawin, na calada da noite, e retornavam destruídas, com no mínimo uma dezena de escoriações e nenhuma vontade de comentar sobre os ocorridos.

Também não tinha a intenção de seguir os passos dos pais e submeter-se a uma jornada de trabalho extensa a troco de um salário de miséria. Os rendimentos de seus pais, na maioria das vezes, sequer cobriam todas as despesas. No fim, acabavam sacrificando a conta de luz. Era comum ficarem na completa penumbra, evitando até gastar a bateria de lanternas por não terem energia para as recarregar.

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