62 || O Prometeu Moderno

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"Não posso dizer: 'Sou outro homem desde que te conheci'. Ao contrário. Sou mais eu."
— "As Duas Faces Da Felicidade" (1965). Dir. Agnès Varda.

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Batasuna, Quartel de Eutsi

Enfermaria, Hospital Militar

Ao acordar, Evan constatou duas coisas: o quarto de hospital do seu breve despertar era real e ele estava vivo. Desta vez, abrira os olhos para valer e não restaram dúvidas.

Vislumbrou Tiffy sentada na poltrona junto ao leito e, mais além, esparramada no sofá de dois lugares, Elena rendida ao sétimo sono, cochilando feito um idoso em frente à televisão.

— Ontem os médicos disseram que a qualquer momento você poderia acordar. Eu falei pra ela que não precisava passar a noite. — Tiffy deu um meio sorriso, mantendo a voz baixa para não a perturbar. — Prometi chamar assim que você acordasse, mas sua amiga é bastante... determinada.

Elle e sua cabeça dura. Normal. Ele retribuiu o sorriso, ainda cansado. Seu olhar alternava entre as duas mulheres.

— O que eu fiz de bom pra merecer vocês? — questionou-se, sussurrando.

As orelhas atentas de Tiffy captaram as palavras antes mesmo de sua telepatia entrar em ação.

— Não é hora de ficar se torturando — repreendeu-o. — Tente afastar esses pensamentos e relaxe — aconselhou ela.

À beira da maca, tendo se levantado, Tiffy abaixou a grade de proteção e segurou-lhe a mão.

— Eu... Eu... sonhei com você várias vezes — confessou Evan, depois de muito hesitar — ou algo assim. Não sei se existe um nome específico pras visões de alguém meio morto que começa a devanear no caminho até a luz.

Tiffy esforçou-se para não engolir em seco e deixar transparecer a preocupação súbita acerca da possibilidade de Evan ter resquícios de memória do procedimento ao qual fora submetido.

— Não se fala esse tipo de coisa pra uma donzela — alertou-lhe, numa brincadeira, desviando do assunto.

— Donzela? — Evan arqueou a sobrancelha, entrando no clima. Fossem pelos analgésicos ou pelo longo sono induzido, estava grogue demais para elaborar sobre seus sonhos lúcidos. Não persistiria com o tema por ora. — Onde? — Fingiu procurar.

Tiffy levou a mão ao peito, fazendo-se de ofendida.

— Quem? Você? — Evan prosseguiu. — Oh, me desculpe, nobre dama. Irei me portar adequadamente perante a vossa pureza de agora em diante.

— Acho bom! — Tiffy beijou-lhe a mão e rendeu-se a um misto de alívio com constrangimento.

— E, se a estimada donzela quiser, posso resolver esse problema com todo prazer... — Isto é, se meu peru não tiver queimado antes do Natal.

Tiffy cobriu a boca para rir da alusão.

— Quando você ficou tão atrevido? — Enchera-se de curiosidade, mas preferira descobrir a fonte da repentina audácia pelo método tradicional.

— Depois de quase morrer pela milésima vez, cheguei à conclusão de que preciso priorizar certas coisas e pessoas. Não posso me dar ao luxo de desperdiçar meu tempo e perder mais oportunidades. Especialmente com você.

Evan tentou apertar a mão dela para transmitir a firmeza de sua resolução. No entanto, seus dedos adormecidos executaram o comando de maneira desajeitada. Negócio foi feio, hein, amigão.

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