23 - O Pântano (Parte 4 - Final)

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As luzes azuladas fantasmagóricas iluminavam o Pântano. Luuk fora sincero; aquela seria uma longa noite. O fogo-fátuo dava ao lugar um ar macabro. Elena não se surpreenderia se zumbis surgissem naquele brejo, no meio da madrugada, apenas para os assombrar.

Quando Zoya anunciou a incômoda tarefa à qual seriam sujeitos, o descontentamento foi generalizado. Era de se esperar que ninguém ficasse satisfeito por ser obrigado a passar a noite num pântano no meio da floresta sendo que havia um acampamento confortável disponível.

Quem diria que passar a semana no Pântano seria literal assim? Elena suspirou, desapontada consigo mesma. Ter nutrido a esperança de descansar depois de uma tarde atribulada, andando de um lado para o outro e cuidando de um casal de crianças, fora ingenuidade.

Imaginara que seria ruim, mas o desafio havia se superado. A jornada deles começara em um lodaçal raso. Andar sobre ele equivalia a pisar em poças d'água em época de chuva. Então a profundidade aumentara gradativamente. Ela sentia-se cada vez menor em face da imensidão do Pântano.

À meia luz, o limo esverdeado acumulado na superfície se enegrecia. Aquela cor de matéria orgânica apodrecida causou-lhe asco ao entrar em contato com a pele descoberta.

Agora, tinha água até o pescoço. Estava cercada por árvores terrivelmente retilíneas com galhos finos como dedos, retorcidos para baixo, tencionando alcançá-los.

Quase saltara no colo de Evan quando enganchou o cabelo — que foi solto depois do mergulho e negligenciado pela ignorância quanto à atividade noturna — em um tronco caído. Temia ter se tornado o alvo da vingança do Monstro do Pântano.

Sentiu-se ridícula ao ver seu cabelo enrolado em um pedaço de madeira. Belo monstro, Elena. Contorceu-se para conseguir se soltar sozinha.

Ao comando de Zoya, após duas horas daquela labuta, pararam de andar. Ficariam naquela área alagada até o amanhecer. Sozinhos, ela fez questão de enfatizar. Os treinadores se ausentariam e retornariam apenas na hora combinada.

E se alguém passar mal? E se acontecer um ataque de enguias mutantes ou um efeito "areia movediça" começar e formos engolidos pelo Pântano? A gente que se vire ou morra aqui, né? Como de costume! Eu devia estar acostumada com tanta merda. Brasileiro é treinado pra isso, não tem um minuto de paz nessa vida.

— Eu estarei logo ali — Luuk interrompeu sua evocação de possíveis cenários caóticos. — Não se preocupem — deu-lhes uma piscadela.

Zoya avistou-o. Conversando com a terráquea de novo. Ela compreendia o apego à Elena. A humana os fazia sentirem-se alguém. Continuava os tratando normalmente, mesmo tendo ultrapassado a fase da inocência quanto à natureza deles.

Àquela altura, ela deveria ter ouvido toda sorte de histórias maquiavélicas e meias-verdades sobre os rawines. Passara a tarde inteira ao lado de um kreler. Era de conhecimento geral que o desprezo pelos rawines corria nas veias deles e diminuí-los configurava um de seus passatempos favoritos.

Crendo que Hujo havia pintado a caveira dos dois, Zoya admirava-se do sorriso cansado e amigável dela. Os braços cruzados e as olheiras profundas, arroxeadas como se tivesse levado um soco, evidenciavam que Elena não estava no melhor dos humores. No entanto, ela sorria. Não queria o preocupar.

Não o queria porque ela se importava. E isso dava-lhes vontade de abaixar a guarda e render-se ao canto da sereia. Perigoso. Perigoso. Perigoso. Estavam perdendo o foco de seu real propósito.

Eu não devo. Ele muito menos ainda. Nós não devemos.

— Luuk — bradou Zoya, espantando-os ao falar mais alto do que o normal.

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