61 || Não vá para a luz

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Nota de esclarecimento: os pensamentos preconceituosos e estereotipados a seguir não condizem com a opinião da autora. É só uma personagem feita à base de eufemismo e humor ácido (lê-se sátira).

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— Aguente firme — suplicou a voz.

Já não era mais um eco distante. Fosse quem fosse, estava perto de si e pressionava seu peito como se não houvesse amanhã. E, na condição em que se encontrava, não haveria.

Não dá mais pra aguentar, quis gritar. Sua boca ressecada e a garganta preguiçosa, paralisada pela falta de impulsos nervosos, o desobedeciam.

Sinto muito, pensou Evan. Havia desapontado outra vez. Pelo visto, nem na hora da sua morte a culpa lhe daria um descanso. Partiria em desassossego.

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— Perdemos de novo — disse ela, amuada. Olhava de esguelha para a irrisória linha no monitor de sinais vitais. Era a terceira vez que o coração dele parava de bater. — Ele não vai aguentar outra parada.

A certeza mórbida na fala dela indicara que a medicina dos mortais havia falhado. Insistir em medidas vãs era desperdiçar tempo que não dispunham. Estavam abusando da confiança dos demais e impondo mais riscos à saúde dele ao desviar a unidade de socorro dos propósitos desta.

— Faça — pediu-lhe, objetiva. Havia um quê de frieza desesperada na voz dela.

Afastou-se, dando espaço para o impossível acontecer.

Está tudo bem. Estamos indo ao hospital do quartel e nada de estranho se passou. — Reforçou o pensamento.

Seu megafone psíquico afetou os demais tripulantes da nave de resgate. Do piloto aos socorristas, todos se convenceram. A história para boi dormir andava funcionando. Ela só esperava que o efeito da hipnose durasse o suficiente para mantê-los bem longe da cabine de estabilização. Iniciariam um processo crucial e não precisavam de um rebanho de curiosos contemplando algo que sequer compreendiam.

Quando dedos pequenos e sardentos se estenderam na direção de Evan, a outra alertou-a:

— O suficiente pra ele sobreviver e se recuperar um pouco mais depressa, ouviu? Nada de extravagante.

O milagre não poderia levantar suspeitas. Se o defunto se levantasse antes mesmo de cruzarem a Redoma, seria o equivalente a montar um letreiro de "culpadas" com uma seta enorme apontando para elas.

— Sem extravagância, ok... — assentiu, insegura. — Nem no rosto? — Arqueou uma sobrancelha.

Ela olhou para o corte, tentada a deixá-lo cicatrizar à semelhança do outro lado da face dele. Suspirou profundamente, reunindo forças para tomar a melhor decisão.

— No rosto pode — consentiu a contragosto. — Deixe como estava antes, por favor.

— É pra já, hiza. — Impôs uma das mãos sobre o peito dele e a outra sobre a bochecha.

Detestava ter de apagar os "defeitos" que tanto capturavam sua atenção, mas respeitava a vontade de Evan. Aturar outra cicatriz só lhe traria mais lembranças sombrias.

Das mãos da caçula se irradiava uma luz amarelada. O cômodo foi preenchido pelo clarão sobrenatural. Quem passasse de longe e visse a estranha luminosidade escapando pelas frestas da porta — e transformando os vidros daquela ala em refletores — diria que algum experimento macabro se passava na sala; que o dr. Victor Frankenstein sairia dali gritando: "Está vivo!"

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