63 || Palavrinhas mágicas | Diga e eu sou seu | 1

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"A vida é muito bonita,
basta um beijo
e a delicada engrenagem movimenta-se,
uma necessidade cósmica nos protege."

— Adélia Prado, em "O pelicano"

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Hujo acordara com as galinhas para cumprir seu ritual de beleza. Cuidados estéticos eram essenciais para ele. Se este fosse seu último dia de vida, queria terminá-lo com a aparência tão impecável quanto nos outros dias de sua existência. Morosamente, espalhava óleo de amêndoas por cada centímetro de seu vasto corpo.

— Começou cedo, hein? — Kai se levantou a contragosto, pondo os óculos sem demora. — Podia ao menos ter deixado as luzes apagadas pra eu não ser obrigado a despertar com você. Já dividimos o quarto, não precisamos dividir as horas de sono.

— Bom dia pra você também, Hayato — desejou ele, empolgado. — Ei, você que tá mais perto, pode pegar meu perfume? Tá ali no...

— Bolso lateral da mochila, eu sei. — Kai bufou.

Dirigiu-se à cama de Hujo e apanhou o perfume onde dissera estar. Entregou-o em seguida, com uma careta de desaprovação. Perguntava-se como alguém conseguia manter aquele nível de autocuidado quando a guerra os cercava. Tinham chegado naquele posto avançado na noite passada e os maus humores de pronto o haviam contagiado.

— Valeu, meu parceiro! Não sei o que seria de mim sem o seu mau humor matinal — ironizou, borrifando perfume a torto e a direito.

Kai tossiu ao inalar gotículas do perfume que se dispersaram em sua direção.

— O que você anda passando no corpo? Carcinógenos? — Tossiu outra vez.

— Essência de macho. — Hujo tampou o vidro da colônia. — Você não entenderia. — Deu dois tapinhas na bochecha e Kai.

Agachando-se próximo à mala, que sequer se dera ao trabalho de desfazer, revirou as peças e atirou para longe as que não o interessavam. Num desses lançamentos, sobrara para Kai o papel de cabideiro.

A peça atingira-lhe o rosto em cheio e ele se encontrara vestindo-a inadvertidamente. O pior de tudo foi constatar qual item do vestuário de Hujo tivera aquele fim. Tinha de ser. Pinçou a tira desta entre o polegar e o indicador e contou até três para pronunciar as palavras sem se alterar.

Acho que isso aqui é seu. — Kai pisou forte, andando em direção a ele, estirando a mão como se segurasse algo contaminado.

— Pode ficar. — Hujo iniciou outro de seus rituais, o de provocar Kai até vê-lo explodir em impaciência. — Considere um presente.

— E o que exatamente você quer que eu faça com seu fio-dental? Quer que eu passe entre os dentes depois das refeições? — rebateu Kai. Naquele dia, o kreler estava dando-lhe nos nervos com mais facilidade.

— Calma, Hayato. — Tendo reagido, vestido sua blusa cropped e uma calça branca, Hujo levantou-se. Tomou-lhe a roupa íntima da mão e atirou-a sobre a própria cama. Pondo as mãos sobre os ombros de Kai, pediu-lhe: — Primeiro, respire. Inspire fundo, solte pela boca. Dez vezes. Comigo. — Hujo começou o exercício, dando o exemplo.

As mãos do kreler saíram dos ombros dele. Movimentaram-se, pressionando vários pontos de tensão, enquanto Kai tentava dissolver o estresse através da respiração compassada.

Kai não confiava nesses macetes para aliviar o nervosismo, nem nas promessas de uma melhora significativa e instantânea. No entanto, era impossível duvidar da eficácia delas quando seu estresse se dissolvia feito um comprimido efervescente. Relaxara sob a leveza do toque de Hujo.

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