Elena encostou a testa e as mãos no vidro da aeronave, ignorando o clarão vermelho do sol despontando no horizonte. Os arquejos deslumbrados da terráquea exalavam ar quente, embaçando a superfície transparente. Seu novo mundo se espreguiçava debaixo dela, dando os primeiros sinais de vida sob o alvorecer.
Imagens seriadas iam e vinham em flashes. Recortes de memórias, fragmentos de seus sonhos que supunha ter esquecido. A Redoma erguia-se a poucos metros, quase imperceptível. A olhos nus, enxergava-se somente um invólucro sutil pairando no ar, englobando as terras sob sua proteção.
Haviam parado em um dos postos de inspeção da fronteira. A burocracia em Eutsi não era tão diferente da qual Elena estava acostumada. Para atravessar a Redoma, além de um dispositivo próprio de reconhecimento — instalado em todos os veículos aéreos do reino — precisavam de licenciamento e autorização especial, autenticada pelo selo real, para cada viagem feita — uma espécie de visto. Foram checados documentos, compartimento de cargas e cabines dos pilotos e passageiros.
Elena imaginava que a Polícia Federal fazia o mesmo em caso de suspeita de ataques terroristas — à exceção da parte dos scanners. Os dispositivos com certeza eram mais eficazes do que um par de olhos, principalmente para detectar objetos escondidos nas estruturas metálicas.
À primeira vista, tanta precaução lhe parecera exagero. No entanto, em tempos de guerra, cautela nunca era demais. Havia, de fato, a possibilidade de alguém, ciente ou não, estar carregando a devastação de uma nação inteira dentro do "porta-malas".
Ao serem liberados, deixaram a torre alta da fronteira noroeste para trás e pararam defronte à Redoma. Elena esperava adentrar o domo com naturalidade, aos modos de uma passagem se abrindo feito cortina ou atravessando a barreira energética como se ela fosse uma cachoeira tranquila ocultando uma caverna. Surpreendeu-se quando, em um piscar de olhos, a nave se materializou do outro lado.
O teletransporte à curta distância, realizado através de aparelhos integrados às naves, era uma medida precaução. Um fruto do medo de abrir os "portões" e permitir a entrada do inimigo em caso de descuido. O receio de sofrerem invasões na curta janela de tempo era maior que os benefícios de transições mais práticas e redução dos custos. Este último, inclusive, era motivo das dores de cabeça da conselheira Inbal.
A mulher sempre trincava os dentes, extravasando a raiva, ao revisar a planilha de movimentações financeiras. Os gastos com importação de tecnologia kreler eram compostos por números surreais, de nove (ou mais) dígitos. O fato de os planetas do sistema utilizarem criptomoedas para todas as transações, fossem elas grandes ou pequenas, não tornava a perda de dinheiro público menos real, nem suavizava o impacto no "bolso".
Esse era apenas um dos muitos problemas do Estado, mais um daqueles que o rei delegava ao Conselho a responsabilidade de solucionar. Em nada afetava os recrutas no momento.
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A viagem lentificou-se depois de terem atravessado a barreira. Voar em alta velocidade no espaço aéreo interno sem ter justificativas plausíveis era proibido por lei. Então, os quase soldados desfrutavam um voo pacífico — no qual podiam observar os arredores à vontade, da natureza selvagem às áreas urbanas —, semelhante a uma excursão turística.
Este amplo reconhecimento visual aéreo do território povoou a cabeça de Elena de segundas impressões a respeito do consagrado Planeta Luz. As matas, as cores intensas e formas distintas vistas de cima ainda eram de tirar o fôlego. Porém, não pareciam tão alegres quanto nos seus sonhos. Na verdade, havia algo de melancólico naquele conjunto de construções rodeados por matas densas e rios caudalosos.
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Planeta Luz
Ciencia Ficción+16 | Completo | Um acontecimento inusitado leva Elena à maior aventura de sua pacata vida: uma jornada ao Planeta Luz. Perdida neste incrível mundo, ela precisa se encontrar em meio ao caos e lutar contra forças desconhecidas. A força de Elena Fern...