52 - Anjo da guarda

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⚠️ Conteúdo sensível para quem já saiu da 5ª série⚠️

"Do amor
E da cachaça
Sempre dizemos
Nunca mais
Mas só
Enquanto dura
A ressaca."

Cau Nunes

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O sopro desdenhoso de Éolo o acordou durante a madrugada. Havia atravessado frestas de janelas e as amplas portas entreabertas da varanda para o alcançar. Estava quase sóbrio. Ainda assim, demorara mais que o normal para sua visão se adaptar à meia-luz do quarto de hóspedes do palácio.

Sentia o frescor da noite acariciar sua pele. O vento frio estava particularmente obstinado naquela noite sem fim — ou a intensidade do fenômeno era apenas fruto de sua interpretação, influenciada pelo fato de que estava sem camisa e não fazia ideia de onde pusera a bendita.

O tempo ameno em Eutsi parecia, no mínimo, suspeito. Deve chover logo, logo. Um conhaque cairia bem, pensou.

A cama macia era silenciosa e sequer emitiu um único rangido quando ergueu o tronco e se sentou em meio aos travesseiros, permitindo-se desfrutar do conforto. O ambiente estava tranquilo. Tranquilo demais. Não demorou muito para se perguntar: Como cheguei aqui?

Ao buscar a resposta, pestanejando no ambiente mal iluminado, viu-a de relance e tentou juntar as peças do quebra-cabeças.

Sentada na cama, ao seu lado, Tiffy dormitava. Vestia sua camisa social, o que solucionava o mistério de onde a peça de roupa fora parar. O cabelo ondulado assimétrico caía-lhe sobre os ombros, com a franja bagunçada e a camisa amarrotada, meio desabotoada, o acompanhando.

A desarrumação dela guardava certa beleza. Os trechos em que a camisa estava desabotoada muito contribuíam para tal opinião. Graças aos botões ignorados, entreviu uma tatuagem capciosa entre os seios dela. Tratava-se de um olho, feito em tinta dourada, dentro de uma estrela de seis pontas. Combinava com os piercings, mas não com a indelicadeza de espiá-la.

Pelo menos não é uma pirâmide, pensou, por fim, mudando de foco. Se bem que ela faz o tipo Illuminati: sabe de tudo.

Arrastou-se lentamente para se levantar de vez e ir à varanda respirar o ar fresco batasuniano — talvez isso o fizesse espairecer. Redobrara os cuidados para garantir uma saída discreta. Apesar de a cama não fazer barulho, a movimentação excessiva poderia acordá-la.

Infelizmente, nem a sua cautela foi suficiente para evitar o despertar de Tiffy. Além do sono leve, ela tinha ouvidos excelentes, capazes de captar os sons ignorados pela audição humana. Quando Evan pôs os pés no chão e estava se virando para checar se ela continuava dormindo, viu-se numa situação complicada que exigia uma resposta imediata. Estava prestes a ser atingido.

Tiffy tinha sacado a pistola assim que acordara e se deparara com o enorme vulto de um homem diante de si. Um homem cuja silhueta, diante do seu cansaço, assemelhava-se demais à de um rawine. Apontara a arma em um ato reflexo, sem tomar a mínima consciência do que estava fazendo e de quem estava sob sua mira. Seus instintos haviam tomado conta de suas ações.

Com rapidez, Evan desviou-se da linha do disparo e afastou a pistola de si, segurando-a com firmeza. Receber um tiro à queima-roupa terminaria de arruinar suas últimas 72 horas. Isso não estava em seus planos. Por sorte, fora ágil o suficiente para desarmá-la segundos antes de a desgraça acontecer.

— Tiffy, calma! Sou eu, Evan! — repetiu diversas vezes, gesticulando para acalmá-la, até receber sinais de que estava sendo compreendido.

Passado o alvoroço, Evan devolveu-lhe a pistola com certo receio. Tiffy recolheu a arma e guardou-a no coldre em sua coxa. Coldre este que falhara em notar a existência por estar muito ocupado com outras partes do corpo dela.

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