4 || Treino é treino, jogo é jogo

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Ordenadamente, o grupo de pessoas uniformizadas emergiu do feixe de luz vívida. Trajavam macacões pretos, de corte e comprimento perfeitos, tão bem ajustados quanto uma segunda pele.

Uma mulher se destacava dos demais e não somente por ser alta e robusta. Havia uma elegância inata, um porte altivo, distanciando-a de sua composição corporal. O rosto de traços finos e severos gritava: "líder". Os ombros e quadris largos, a cintura pouco definida, os músculos pronunciados e até mesmo o cabelo loiro acinzentado, raspado nas laterais, revelavam sua verdadeira ocupação. Tratava-se de uma guerreira. E não era uma guerreira qualquer.

Era uma guerreira do planeta Rawin. Naquela galáxia, isso significava muito.

Ela retirou um controle universal de sua cartucheira e acionou uma das funções. Em resposta ao comando, o chão elevou-se e formou uma espécie de palanque, no qual ela subiu a passos lentos e foi seguida pelos seus acompanhantes. Assumindo uma postura mais rígida, segurando o punho direito à frente de si, ela quebrou o silêncio.

— Atenção, por favor! — Insatisfeita com a altura de sua voz, ajustou o volume do sutil microfone de lapela em formato de heptagrama antes de continuar. — Solicito a todos que se acomodem para que prossigamos com as instruções.

Aguardou-os pacientemente. Nem sequer piscara durante o período de espera.

— Saudações — a voz ressoou, monótona —, me chamo Zoya Ceallach. Recentemente fui nomeada capitã e me incumbiram a responsabilidade de chefiar o treinamento dos recrutas do primeiro trimestre deste ano de 13933. Desde já, os informo que Eutsi é grata por poder contar com vocês. Não teremos a recepção programada pela comitiva real, portanto, nossa apresentação terá uma duração menor e dispensaremos o bufê. Ocorreram alguns contratempos que impossibilitaram o rei Reuben de comparecer nesta tarde, mas ele fez questão de nos enviar suas sinceras felicitações em formato de vídeo.

E mais uma vez o rei não aparece. Havia sido transferida há dois meses e nunca o vira pessoalmente. Era quase como se o homem não passasse daquele holograma que, apesar da alta qualidade da imagem, jamais surtiria o mesmo efeito da presença física dele.

O homem era, de fato, um fantasma. Aparecia quando convinha, mas nunca estava presente.

Dois meses desde a convocação e nada! Ele não tinha ido ao acolhimento dos treinadores para trocar algumas palavras vazias de encorajamento, como de costume. Isso, por si só, constituía uma falha grave a seu ver.

Ela não era um oficial de alta patente e não julgava merecer um tratamento especial; orgulho ferido não era o motivo de tanto se inquietar. Zoya somente esperava um comportamento mais enérgico, mais decente, por parte do rei em relação aos membros de seu exército. Do exército que lutava — e morria — para manter a coroa sobre a cabeça dele. Coroa esta que ele parecia menosprezar.

Para o povo comum, Reuben era uma figura austera, respeitável e carismática. Um governante impecável, a despeito da tragédia que abateu sua família, dos rumores sobre o seu passado — os quais ninguém sabia ao certo do que se tratavam — e de atuais hábitos noturnos de caráter duvidoso.

Corriam pela capital diversos rumores acerca das escapadas e da ausência dele nas atividades da agenda real quando não se tratava de grandes pronunciamentos, eventos públicos ou jantares para a elite. Essas histórias, entretanto, sempre vinham de empregados mal remunerados, conferindo-lhes pouca credibilidade.

Mas quem sou eu para julgar? Censurou-se, tendo em vista que não cabia a ela a tarefa de especular sobre boatos envolvendo a realeza. O propósito de sua criação não era esse.

Rawin, seu planeta natal, não era conhecido por abrigar grandes pensadores. O trabalho de um rawine era agir, não pensar. Ao menos, não fora do âmbito da guerra. Ela tinha plena ciência do que acontecia com quem ousava pensar. Sentira na pele o peso dessa consequência.

Planeta LuzOnde histórias criam vida. Descubra agora