"O universo não parece ser nem benevolente nem hostil, apenas indiferente."
Carl Sagan✶✶✶✶✶✶✶
Nos confins do Universo Primordial...
Umbra levava o conceito da Sombra a sério. A anomalia entre os infinitos universos na qual a deusa da destruição se enfiara era um lugar abafado, úmido, com um odor forte de mofo e escuro. Muito escuro. Depois de peregrinar pelo vasto espaço sideral e desbravar a escuridão, combatendo-a com sua luz, Lux encontrou-a deitada em uma rede.
Sua contraparte pegava impulso na parede rochosa ao lado dela com a ponta dos dedos dos pés. Umbra se embalava como quem nina um bebê e cantarolava enquanto o fazia. Imperturbável, seguia focada no balanço da rede — ignorando Lux, a despeito de ter notado a presença dela.
— Pare de fingir, por favor — Lux rogou-lhe.
— Oh, irmãzinha! Você por aqui? A que devo esta honra? Veio para reconhecer a derrota?
— Derrota? Não estamos em um jogo — decretou, categórica.
— Muito pelo contrário, querida. Estamos no maior jogo de xadrez que a existência já viu. Seus peões estão caindo aos montes, derrotados pelos meus, e eu acabei de fazer um xeque [1]. — Umbra gabou-se. — Cuidado com o seu rei — alertou em um tom mais sedutor do que ameaçador —, ele está prestes a cair.
— Basta! Estou farta desse seu cinismo. Olhe para mim — pediu, elevando o tom da voz.
— Então quer dizer que eu te fiz perder a compostura por falar a verdade sobre aquele reizinho mixuruca? Não é como se você estivesse no nível deles e não soubesse de tudo que se passa neste universo. Não é como se você não enxergasse o tanto de mortais que te cultuam.
— Eu não pedi para ser adorada como a deusa deles.
— Mas você é. Também é uma hipócrita. Se passa por boazinha enquanto suas criaturinhas morrem implorando pela sua misericórdia.
— Imparcialidade é um dever nosso. — Lux defendeu-se.
— Velar pelo Bem é um dever seu — refutou Umbra. — Eu não te vejo realizando boas ações diárias. Aliás, o que eu vejo são seus devotos clamando por socorro enquanto você permanece sentada em seu trono — fingiu retirar uma sujeira de debaixo da unha. — Mas eu entendo o seu lado. Deve ser muito difícil deixar o conforto da sua mansão e a bajulação dos seus agregados...
— Você não entende o nosso propósito, não é mesmo? Nunca entendeu. Não podemos interferir na vida dos mortais como se eles fossem brinquedos. Isso tem consequências. Brincar com a criação é uma violação grave das leis. Se continuar insistindo nisso, serei forçada a agir.
— Uau! — Umbra presenteou Lux com uma salva de palmas alta e calorosa. — Finalmente desceu do pedestal. Depois de o que? Hum... Dois mil anos? Meus parabéns! Impressionante o quão rápido você reagiu. Começou a se lembrar da Lei acima das leis, não foi?
A Lei Primária determinava o cataclismo e a destruição completa do universo se o balanço das forças fosse abolido.
— Ao contrário do que você pensa, querida irmã — ironizou Umbra —, eu nunca me esqueci ou ignorei as leis. Eu só aproveitei uma oportunidade. Nada a mais, nada a menos. Não é minha culpa se os mortais querem desperdiçar suas vidas, que tem a duração de um sopro, brigando entre si. Eu nunca interferi no equilíbrio. Eu vi a oportunidade e mexi meus pauzinhos, como deve ser.
— Não era sua hora — retorquiu. — Era a minha deixa para agir e você trapaceou, tomou o meu lugar, fez o que não devia. Zakarra e Nolako eram minha responsabilidade naquele momento de desequilíbrio. Você atormentou a cabeça de um homem inseguro, sabia muito bem o que iria provocar cultivando discórdia, colocando-o contra o irmão. Seu "empurrão" não provocou só uma morte. Ele foi o ponto de partida de todas as mortes que o seguiram.
— E daí? Que tenho a ver com isso? Não sou coveira — a voz de Umbra expressou o desdém pelos milhões de mortos ao longo dos anos. — Nem faço milagres, irmãzinha. Sua falha é um exemplo simples de causalidade: se cochilar, o cachimbo cai. O seu caiu porque você sempre está ocupada demais com o "equilíbrio" — pontuou as aspas gesticulando com os dedos — que é incapaz de agir rapidamente.
— Não estamos numa competição de velocidade, Umbra! Entenda! Há um tempo para todas as coisas. O problema é a sua pressa, é o quanto você quer passar à frente como se estivéssemos numa competição e não numa coexistência.
— Está bem, está bem. Diga o que desejar, se isso faz você se sentir melhor a respeito da sua falha.
— Eu desisto! Você é impossível! — Lux exaltou-se.
— Não, cara irmã. Eu sou imbatível. Este é o meu tempo. Cabe a você aceitar a derrota com um pouco de dignidade.
Que não haja Luz.
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"A extinção é a regra. Sobreviver é uma exceção."
Carl Sagan✶✶✶✶✶✶✶
Olár, terráqueos 🖖
Perceberam o paralelo com o prólogo que está a 800 capítulos de distância? Espero que sim. Fiz esse com carinho também.
Se estiverem gostando, lembrem de deixar votos ⭐e comentários 💬 Isso ajuda muito.Beijos de Luz ✨
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(762 palavras)
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Planeta Luz
Science Fiction+16 | Completo | Um acontecimento inusitado leva Elena à maior aventura de sua pacata vida: uma jornada ao Planeta Luz. Perdida neste incrível mundo, ela precisa se encontrar em meio ao caos e lutar contra forças desconhecidas. A força de Elena Fern...