39 - Se conselho fosse bom...

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Atordoada pela pressa, com a intenção de fugir daquela situação delicada o mais rápido possível, Elena adentrou na floresta adjacente à praça. Com o raciocínio prejudicado, afobada, correndo no escuro, tropeçou em uma pedra. Degringolou pelo leve declive do terreno adiante, rolando no chão, sujando-se de terra e arranhando braços, pernas e rosto. Arrastando-se pelo chão, escorou as costas na árvore mais próxima e redeu-se às lágrimas.

Será que eu criei um monstro? As recordações do quanto Evan demonstrava um apreço imenso por ela tornavam-se menos inocentes. As brincadeiras, os hobbies em comum, a cumplicidade, a dedicação, o "para o que der e vier". E se fossem uma tentativa de conquistá-la? E se esse tempo todo ele se empenhara em agradá-la com segundas intenções? Será que nunca fomos amigos?

Mirou a lua, cuja imagem se embaçava à medida em que o choro se intensificava, e suplicou esclarecimento. Minha mãe, este planeta, um treinamento desgraçado e agora ele... Por que logo eu?

— Presumo que esta noite também não esteja sendo bela para você — a fala do homem veio acompanhada de um intenso farfalhar de folhas.

Embora não tivesse sido capaz de identificar quem estava falando, Elena possuía a certeza de que o conhecia. Havia escutado aquela voz antes, mas não conseguiu a associar a um nome ou pessoa. Teria de vê-lo, se quisesse descobrir. Virou-se sem se preocupar em enxugar as lágrimas. Era impossível fingir tranquilidade quando, na verdade, o pouco de alento restante acabara de se esvair.

Ele estava lá, de uniforme sujo e lanterna em punho, outra vez surgindo entre os arbustos, como uma flor em tamanho gigante a brotar em meio à folhagem. O jardineiro de semblante prestativo aproximou-se da árvore na qual Elena se escorava e fez uma mesura. Ela admirou-se do cumprimento cortês e dirigiu-lhe a palavra.

— Oh, é você, senhor... — reticente, deu ao homem a oportunidade de se apresentar. Essa é sua deixa, senhorzinho estranho.... A menos que você seja invenção minha, aí não faz sentido querer saber seu nome. "Dezulive"! Vê se pode isso! Dar nome pra amigo imaginário, na minha idade... É de arrombar. Cada segundo de esquisitice a levava a questionar ainda mais a própria sanidade mental.

— Argi. Argi Gurdeep, ao seu dispor! — Ele limpou a mão suja de terra no macacão antes de a cumprimentar.

— Elena — disse seu nome, mesmo tendo a impressão de que ele já o sabia, enquanto apertava a mão dele com firmeza. — Esta, Argi, é uma noite pavorosa — desabafou, por fim.

— Tão ruim assim? — O jardineiro interessou-se.

— Pior do que aquela outra — assegurou Elena. De um ímpeto, apanhou um seixo esverdeado do chão e o rotacionou entre o indicador e o polegar, analisando o fragmento de rocha com uma expressão de especialista. Focada e, ao mesmo tempo, alheia, continuou: — Ah, senhor Argi... Por que dói tanto quando alguém a quem a gente ama nos desaponta? Por que eu me sinto tão mal? Parece até que a culpa é minha também, que eu podia ter impedido de chegar a esse ponto... — Elena atirou a pedra para longe, descontando a raiva no objeto inanimado.

O homem mais velho fitou-a com candura. Naquele azul celeste da íris dele, que contrastava com a pele de azeviche, escura feito a noite, Elena enxergou compreensão. O misterioso (e levemente assustador) jardineiro entendia seus sentimentos. Fora jovem um dia e experimentara o amargor do desapontamento, de assistir impotente à queda de um amigo.

— Este é um mistério que eu ainda não decifrei — reconheceu sua limitação, pensativo. — Mas, se me permite lhe dar outro conselho, não se cobre tanto. Os caminhos da vida são sinuosos e há muitos atalhos tentadores. Por vezes, as pessoas se perdem no meio do caminho. Às vezes, elas se encontram no processo. Em outras, nunca retornam. Faz parte da jornada. Não se atenha muito a essas perguntas sem resposta, nem prolongue o sofrimento. A cada dia basta o seu mal.

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