18 || Um ombro amigo

275 40 450
                                    

"Isto é estranho. Mal nos conhecemos e falo com você como nunca falei sobre meus problemas com ninguém antes."

"La femme de l'aviateur" (1981), dir. Éric Rohmer

— Eu te entendo, Terra — ele repetiu

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

— Eu te entendo, Terra — ele repetiu. — Não precisa hesitar em falar comigo. Se eu quisesse te prejudicar, teria reportado a "conduta imprópria" tempos atrás, quando percebi o Evan caçando falhas de segurança em cada brecha de tempo que conseguia..., mas eu nunca faria isso.

Elena enxugou o rosto com o dorso das mãos, em um movimento rude, e lançou-o um olhar caído de desânimo.

— Me surpreende a General Z não ter denunciado vocês dois. É ela quem cuida desses assuntos — cruzou as pernas e balançou o pé, que estava apoiado no joelho, em resposta ao silêncio dela. — Não sei se alguém já te disse, mas deserções são malvistas. Você enfrentaria, no mínimo, uma prisão perpétua. Disso eu não poderia te livrar.

Os olhos dela, avermelhados e ainda marejados, vagavam perdidos na escuridão sem se fixar em algo específico.

— Sabe o que é o pior? — Ela engoliu em seco. — Não é a convocação, as provas ou a montanha de absurdos deste treinamento. Sou eu! — Apertou os joelhos, gastando as últimas reservas de força em um gesto risível. — Passei a vida inteira com o nariz enfiado em livros, encantada pelo diferente, pronta pra encarar uma aventura, um mochilão. Fiz tão pouco caso da minha rotina chata que devo ter atraído essa onda de azar. E agora estou igual a uma criança catarrenta. Só quero a minha mãe.

Encurvou-se, afundando a cabeça nas mãos, respirando ruidosamente para conter o choro. A voz saía, sôfrega e abafada, pela necessidade primitiva de compartilhar suas lamentações.

— Tudo é tão horrível, assustador e... empolgante. — Elena fungou, elevando a cabeça. — Nada faz sentido ou parece real. A cada dia que se passa, descubro coisas interessantes e encontro beleza em cada canto daqui. Até nesse corredor da quadra de esportes eu encontrei algo pra admirar. É como se eu fosse chamada e o mundo ao meu redor precisasse da minha atenção.

Endireitou-se no banco, inclinou o rosto para o céu, inspirou profundamente e expeliu todo o ar de seus pulmões pela boca, como um lobo emitindo um uivo silencioso para a lua. Continuou o desabafo lentamente, exausta demais para continuar falando sem cessar.

— Independentemente do quanto eu queira ir embora, uma voz insistente me pede pra ficar. De certo modo, apesar dos absurdos e de entender que sou quase uma prisioneira, gosto daqui. Sinto que pertenço a algum lugar e nunca me senti assim, mesmo no meu próprio lar. Quando penso nisso, parece que minha cabeça vai explodir. Eu... O que estou fazendo? Desabafar com um estranho não mudará nada — concluiu. Ainda que tivesse dito em voz alta, falava mais para si do que para Luuk. — Só me restaram estranhos. Evan, você... estranhos.

Luuk descruzou as pernas. A afirmação dela o intrigou. Conheceram-se há menos de uma semana, entretanto, ele a considerava sua amiga.

Luuk tivera colegas de internato, conhecidos, e uns poucos amigos durante os nove anos de liberdade. Nenhum destes sequer chegara aos pés dela. Elena fora a primeira pessoa de quem se aproximara e expusera sua vulnerabilidade sem receio de parecer fraco. Além de não o querer morto, a terráquea confiara a ele informações sensíveis, íntimas até.

Planeta LuzOnde histórias criam vida. Descubra agora