29 - Pipoqueira

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"Ninguém me ensinou a jogar
Nem sabia o que vinha depois
Só me deram a chuteira, empurraram pro campo
E disseram: vai lá! Sabe gol? Faz dois!"

("Nova Ordem", Projota, Rashid e Emicida)

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Batasuna, Txapela – noroeste da fronteira de Eutsi

Crianças chorando, animais ensandecidos, pessoas se atropelando, gritaria generalizada; Txapela degustava uma amostra grátis do terror vivenciado pelas terras de Kondena — distrito do extinto reino de Nexi que ficou preso no meio do fogo cruzado após a deflagração da Grande Guerra.

O ataque repentino trouxera o conflito às "portas" de Eutsi, algo que não acontecia há meio milênio. Aonde os erorianos pretendem chegar com isso? Zoya questionou-se.

No passado, Txapela pertencera ao reino de Eutsi. Com a proposta de implementação da Redoma, o domo energético que protegia parte do território eutsiano de ataques aéreos e invasões francas, ela tornou-se uma das muitas cidades a recusarem a proteção que o escudo em larga escala forneceria. Apesar de não ter cortado relações com Eutsi, ainda era independente e encontrava-se desprotegida. Portanto, suscetível a ataques.

Ao contrário da maioria das cidades desligadas do reino, Txapela era um lugar relevante. Sendo ela responsável por cerca de 40% dos alimentos consumidos em Eutsi, uma investida contra a mesma poria em jogo esse suprimento.

O rei e os Conselheiros seriam encurralados e forçados a escolher entre racionar o consumo dos cidadãos ou mendigar importações a quem já havia se recusado a tomar parte em problemas relacionados à guerra. Em outras palavras, Erori deliberadamente pisara no calo de Eutsi.

Zoya, por fim, compreendeu os propósitos deles e por que os seus superiores renderam-se à imprudência de delegar a missão à equipe mais próxima, ainda que esta fosse composta majoritariamente por recrutas inexperientes. Embora compreendesse, não concordava com a decisão. Mas faria o melhor, dentro do possível, para compensar essa falha.

Manteve a divisão prévia dos trios, designando zonas da cidade a serem averiguadas por eles, e torceu para que estivessem tão balanceados quanto pareciam de acordo com as avaliações.

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Cada músculo do corpo de Tiffy se retesava na tentativa de conter seu furor. Edifícios violados, incêndios criminosos, gente desesperada; muita familiaridade para seu gosto. Conhecia este filme, ele não tinha um final feliz.

A arma que sustentava com firmeza não era de suas favoritas. Tinham entregado a todos o armamento padronizado do exército eutsiano, não havia chance de trocas, então seria obrigada a se virar com um fuzil de assalto antiquado demais para seu gosto. Supôs que a culpa da falta de praticidade e do design pavoroso fosse de algum estagiário.

As células de recarga eram pavorosas, requiriam habilidade e força para serem acopladas propriamente. Se Tiffy não tivesse experiência, enfrentaria maiores dificuldades para recarregar aquela "obra de arte". Justamente por isso ela se enraivecera. Ela conseguiria driblar as desvantagens. Os outros não teriam a mesma sorte.

Além do mais, abrira mão de sua pistola favorita — a herança involuntária de seu pai — para não atrair atenção indesejada. Isto, por si só, já era exasperador.

É uma boa hora pra eu começar a rezar. Pra todos, na verdade. Lux, tende piedade de nós...

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