Planeta Luz

77 || Vergonha! Tocam os sinos

Erori, Eumin

13933 A. L. – 1h pós-Solis

Misturar-se ao lote de recém-adquiridos, depois de roubarem uniformes e fingirem naturalidade, fora uma tarefa fácil — quando comparada aos desafios enfrentados pelos colegas. Enquanto não recebessem ordens, os soldados rawines permaneceriam em posição de sentido, no mais perfeito silêncio.

Graças a esse padrão, Luuk e Zoya enfiaram-se nas fileiras sem sequer receber um olhar de desconfiança quando a tropa começou a marchar na pista de pouso. Em sincronia, embarcavam em naves, nas quais a imagem de dois machados cruzados acima de uma lua configurava o símbolo do Estado. Eram somente mais dois rostos novos em meio à multidão de rawines incógnitos e insignificantes.

Em sua soberba, via de regra, os erorianos ignoravam o ato básico de recontar os soldados para checar se todos haviam embarcado. Na entrega, a contagem sempre era minuciosa, examinavam a mercadoria de cima a baixo, conferiam até os dentes; tudo para constatar a qualidade e se certificarem de que não foram enganados. Pouco se importavam com o que aconteceria depois. Nenhum dos rawines expressava iniciativa própria. Nunca fugiriam. A seu ver, isso estava de bom tamanho.

Zoya admirou-se do comportamento de Luuk. Discreto, mantivera a comunicação através do antigo código rawine, tamborilando os dedos na coxa. Utilizar-se da língua morta os permitiu traçar um curso de ação.

O alfabeto completo das runas rawines caíra por terra há mais de um milênio. Por motivos de interesse mesquinho, fora reduzido a um conjunto limitado de sinais — sendo o principal deles a desobediência, gravada a ferro e fogo em seus corpos. Conhecer todos os símbolos era coisa proibida. Errada. Impossível para a imensa maioria dos indivíduos comuns. Acessível para qualquer trabalhadora exemplar que se aventurasse a organizar o arquivo morto da Cúpula — e, nisso, recebesse mais uma vez o título de funcionária do mês.

Naquela nave, o código constituía-se um meio de comunicação seguro. Agiam com cautela, ao contrário de alguns sujeitos imprudentes, cuja fala alta se opunha ao conceito de discrição.

Dentro do esperado, os comandantes erorianos, no auge do complexo de superioridade, acreditando na imbecilidade dos soldados, conversavam livremente. Afinal de contas, caso deixassem escapar algo que não devia ser dito, quem iria os delatar? Os paus-mandados de Rawin? Jamais! Os subalternos rawines cortariam as próprias línguas antes disso, se assim determinassem.

Entre a gama de assuntos casuais abordados, estava um tópico interessante: o destino do voo. A princípio, este seria apenas mais um transporte de novos soldados para reforçar a linha de frente, exterminar a resistência do exército. Ao menos havia sido isso que o cenário sugeria.

Zoya alarmou-se ao perceber um considerável desvio do curso esperado. Tinha um mal pressentimento sobre isso. Este ganhou força depois de pescar no ar algumas falas soltas dos erorianos. Segundo os oficiais conversadores, a nave se dirigia à fronteira de Eutsi, mais especificamente, ao primeiro posto de inspeção do sudeste, um dos mais próximos da capital.

"Mudança de planos?" Luuk questionou.

"Não me parece", Zoya sinalizou em resposta. Ninguém simplesmente recalcularia a rota traçada, fosse por improviso ou novas ordens, para se lançar em território inimigo e correr o risco de perecer antes mesmo de alcançar a Redoma. Seria uma missão suicida. Desperdício de pessoal e recursos.

Não parecia uma mudança de planos. E não era.

O que o resto do grupo compreendera a duras penas, entre reviravoltas e homicídio, Zoya e Luuk depreenderam com uma troca de olhares — ambos espertos demais para o gosto da Cúpula, para o próprio bem. Como ou por que, não souberam explicar. Mas o conluio estaria lá, disso tinham certeza. Algo nefasto unira Erori e Eutsi.