15 || Meu passado me condena

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⚠️ Conteúdo sensível: violência e traumas físicos/psicológicos, abuso/maus-tratos infantis, assédio moral⚠️

Evan remoía sua trajetória, suas más decisões, como fazia todas as noites. No entanto, especialmente naquela noite, não se sentia desesperançoso quanto ao futuro.

Aquele planeta nada aconchegante e uma guerra que não era sua pareciam insignificantes frente à presença de Elena. Haviam sido reunidos depois de uma eternidade. Isso era bom. Não era?

A ausência dela havia o atingido como uma bola de neve. Uma esfera feita de assuntos mal resolvidos que se acumularam e rolaram montanha abaixo. Um colosso gelado que impactou sua relação com a mãe.

Aos olhos dela, Evan dera-lhe uma sequência de desgostos. Das desventuras amorosas à formação acadêmica.

Segundo Adelaide, ele precisava arranjar uma namorada, firmar um noivado depois de dois anos de namoro e se casar antes dos trinta. Então, ela mesma resolveu selecionar pretendentes e marcar encontros. E ele? Dispensou as moças impiedosamente.

A maioria delas era uma cópia malfeita de sua mãe. Algo que tornava ainda mais bizarras as tentativas de o fisgar a qualquer custo.

Tivera de inventar novas desculpas a cada encontro para escapar das garras das mais ambiciosas. Nem nos seus mais medonhos pesadelos imaginara ter algum tipo de relação íntima com alguém que se assemelhasse à Vossa Excelência. Que Freud o desculpasse, mas ele não sofria do mal de Édipo [1].

Anos atrás, Evan sequer sentia atração física por alguém que não atendesse os requisitos básicos para tocar seu coração.

Decerto, era difícil encontrar uma garota de cachos longos e acobreados, olhos da cor de ouro polido, a pele negra tão macia quanto seda e curvas nas quais ele se perderia para nunca mais se achar, em meio à trupe que Adelaide ajuntara. O elenco de Mulheres Ricas [2] não fazia seu tipo.

Não bastasse o insucesso nesse aspecto, ainda havia a questão de sua educação formal. Cursara Administração na Fundação Getúlio Vargas em São Paulo por dois anos em vez de seguir os passos de Eileen, que estudou Economia e participou do programa de MBA em Oxford.

Para complicar a situação, além de ter permanecido no Brasil — quando poderia ter estudado na tradicional universidade britânica, como seus antepassados —, trancou o curso no quinto período.

Após o trancamento, esperou escrupulosamente a data na qual foram abertas as inscrições para o serviço militar. Sem levar a questão aos pais, alistou-se.

Precisava refugiar-se nalgum canto. Especificamente em um lugar no qual a influência de Adelaide não o alcançasse. E não havia melhor lugar do que as forças armadas.

Compareceu à Seleção Geral por debaixo dos panos e foi direcionado à Seleção complementar no Quartel. Por fim, escolheram o enviar para o Exército.

Quando a situação se tornou inevitável, uma vez que ele precisaria se mudar de seu apartamento na Vila Mariana e seu sumiço seria notado, resolveu deixar sua família a par do que havia feito.

Objeções, gritaria, ameaça de internação em uma instituição psiquiátrica, perda da herança. Teria seu nome riscado do testamento caso não voltasse como o cão arrependido, com o rabo entre as pernas e orelhas baixas.

Tentaram o dissuadir de diversas formas. Uma enorme comoção por nada. Evan não voltaria atrás. Nem os seus novos superiores deixariam isso acontecer. Nenhum se rendeu ao poder persuasivo de sua mãe.

Mesmo diante do apelo de Vossa Excelência — que tentara dar um jeitinho para que os militares o liberassem em troca de favores na Câmara dos Deputados —, o Tenente-coronel Rocha, responsável pelo 11º Batalhão de Infantaria, mostrou-se irredutível em sua decisão. Um jovem tão determinado a servir não seria dispensado.

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