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  - Mas não, não dá para levar certas coisas para o pessoal. Precisamos separar as coisas para não ter problema. - minha mãe se auto refuta com sua teoria sobre o funcionamento de nem lembro mais o quê. Ela não é de falar muito, mas quando fala, quase nunca consigo acompanhar seu raciocino. Até ri sozinha: - Sabe, essa parte da vida você tem que lidar pensando em um todo. Não dá para ser egoísta.

  Rio de suas frases filosóficas enquanto recolho as milhares de xícaras de chá espalhadas pela casa pequena. É um lugar aconchegante, com pouco menos espaço que o apartamento de Yeonji, mas acumula muita sujeira. E minha mãe não faz faxina com muita frequência.

  Tem dias que ela não consegue nem levantar da cama. Nesses dias, eu tenho que ligar para a Doutora Hwang e fazer minha mãe conversar com ela. Pior que ela nunca demonstra estar triste. Você sente a tristeza quase materializada quando chega perto dela.

  Não tem muita coisa em que eu possa descrever Jeon Hayun que já não seja óbvio. É uma senhora de 44 anos, mãe de dois filhos. Bem magra, não de uma forma saudável. Aquela professora de sociologia que veste roupas exageradamente estampadas. Já sofreu violência doméstica e abuso psicológico. E tentou suicídio quatro vezes.

  Uma senhorinha interessante, eu diria. Se não fosse minha mãe.

  Essa coroa é meu tudo. Meu refúgio que procuro quando não tenho idéia do quê fazer. Sempre dá os melhores conselhos. E, mesmo que eu quase não entenda metade das coisas que fala, poderia ouvir sua voz tranquila e suas histórias de convívio pelo resto da vida.

  - Você sabe o que é ser egoísta, não sabe? - mãe ergue a sobrancelha para mim. É um poço de sinceridade exagerada, também. Propõe umas questões filosóficas só para te fazer refletir sobre seus próprios pensamentos.

  Ergo as xícaras, as colocando sobre o bojo da pia. Me viro para a senhora, que não olha para mim, apenas corta a salada, cortando pepinos em pedaços tão pequenos que nem sei se vou sequer senti-los quando for comer.

  - Sei, mãe.

  - Sabe mesmo? - sua insistência me faz revirar os olhos, suspirando de um jeito infantil. - Mas enfim, isso não vem ao caso. O caso vem à isso. E eu não deveria apontar tanto os defeitos alheios quando eu sou uma mulher de meia idade que não consegue passar cinco minutos sem enfiar a cara num livro.

  - A senhora é perfeita, mãe. - digo isso, e escondo meu rosto quando me viro para a pia, envergonhado porque não sei elogiar direito. Preciso fazer isso mais vezes, já que fico tão desconcertado. - Não fica se rebaixando assim.

  Ouço sua risada fraca perto de mim, quando beija minha bochecha. Minhas bochechas coram apesar do costume.

  - Eu vou para o quarto. - avisa depois que pega a pequena tigela com salada, passando pela cozinha até chegar no corredor. - Deixei um pouco de bolo de arroz para você.

  Sorrio com seu gesto só depois que sai. Ela está se recuperando, apesar de tudo. Já come melhor, pede livros novos, e achou um novo hobbie; tricotar. Mas ainda há muito para ser feito.

  Pra mim também.

  Dou uma breve olhada na cozinha, depois para a bancada, e enfim a sala. Não posso deixar isso do jeito que está. Muito menos minha cabeça.

  Preciso pensar um pouco, mesmo que signifique arrumar a casa enquanto isso.

  Começo pela sala, onde retiro as roupas espalhadas e vou organizando-as em seus lugares. Tento fazer tudo com um pouco a mais de paciência, como vi Yeonji fazendo em todas as vezes em que a visitei. Só dificulta um pouco com Bam correndo pela casa e brincando com coisas aleatórias. O Dobberman brinca de cabo de guerra com as roupas que recolho, mas depois que vê que não vou ceder, ele começa a correr a casa inteira.

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