"Capítulo XXIII" - Começava o fim... Carnaval...

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O diário dos últimos dias com ele...Honroso.

Após a internação...Ficou no pronto socorro por 36 horas, e depois foi para o 20 andar, leito 2002, durante o carnaval todo ela não pode visitá-lo, pois o carro da sua filha quebrou e não tinha mecânico que o arrumasse no feriado prolongado, então enquanto não podia ir, seu filho o visitava e ela ia falando com o marido pelo celular, ligava duas ou três vezes ao dia, se ela não ligava, era ele quem ligava, (ele tinha o celular dele junto dele), ouvia música enquanto estava no hospital. Estava gentil e calmo.

O vigésimo andar era o andar da morte, todos que iam para lá, era o fim, toda hora via uma maca passando com o lençol cobrindo o corpo, aquilo a deixava tensa. Mas o hospital tinha suas maneiras de trabalhar, se você ver pelo lados deles fica bem mais fácil, ter os pacientes prestes a morrer juntos, do que misturados...

Ele havia sido internado dia 8, sexta feira de carnaval.

Na quarta feira de cinzas dia 12, depois de levar o carro na oficina e ser consertado. Vivian aguardava a vinda da filha em sua casa, iriam na visita das 10:00 da noite. Marcos, o filho havia comentado com ela que não era para ela se assustar quando chegasse lá, pois ela o encontraria muito diferente.

Mesmo tendo sido alertada, o coração balançou quando chegou ao quarto. Era um quarto com duas camas e dois pacientes, ele estava na cama perto da janela, nos fundos do quarto, quando abriu a porta que estava entre aberta, avistou ele e sentiu uma lágrima caiu e muito rápido limpou, ele estava com o respirador artificial e adormecido, mas quando ouviu a voz da mulher acordou. Vivian cumprimentou o acompanhante do quarto, um senhor ao lado. Hiroshi estava pálido, amarelado, magérrimo. Parecia um menino de dez anos, parecia que tinha encolhido. as penas estavam de fora e esta seca, magérrima. Havia algumas semanas atrás que ele tinha pedido para que Vivian raspasse a cabeça dele, ele disse:

- Raspe minha cabeça, já que não tenho mais como cuidar dos meus cabelos raspe. Hiroshi sempre foi um homem que se cuidava, o cabelo era seu ponto de orgulho e o fato dele querer raspara deixava Vivian triste. Ele fez a seu pedido, raspou e sentiu o coração dilacerado.

Mas como sempre deu um sorriso e começou a reclamar, que estava com diarreia, que puseram o respirador porque ele teve falta de ar e que puseram fraldas, ai aquilo doeu...fraldas! Sempre conversavam sobre como morrer com dignidade e ele sempre falava que se um dia tivesse que usar fraldas, preferiria morrer! Pediu para ajuda-lo ir ao banheiro, ela tirou a fralda com lágrimas nos olhos, deixou ele no banheiro e saiu chorando, esperou que ele chamasse, e voltou sorrindo. Colocou a fralda de volta, ele pediu porque a enfermeira havia pedido que não tirasse.

Um grito por dignidade humana, dignidade da vida, do estar vivo, de estar no mundo, de estar saudável, de estar doente, de estar no fim da vida, de ser cuidado por alguém, independente do estágio que o ser humano se encontra é necessário ser respeitado, ser ouvido, ser cuidado como um todo nas suas várias dimensões. O ser humano não está preparado para adoecer, para morrer, sofrer, não aceita a morte, a limitação, só pensa e quer a cura, mas às vezes a vida é uma caixa de surpresa, e a cura não vem aí só resta solicitar a Ajuda a Deus para suportar o sofrimento do corpo e da alma. Vivemos numa sociedade dominada pela analgesia, em que fugir da dor é o caminho racional e normal. À medida que a dor e a morte são absorvidas pelas instituições de saúde, as capacidades de enfrentar a dor, de inseri-la no ser e de vivê-la são retiradas da pessoa.

Ao ser tratada por drogas, a dor é vista medicamente como um barulho de desfuncionamento nos circuitos fisiológicos, sendo despojada de sua dimensão existencial subjetiva. Em meio medicalizado, a dor perturba e desnorteia a vítima, obrigando-a entregar-se ao tratamento. Ela transforma em virtudes obsoletas a compaixão e a solidariedade, fonte de reconforto. Nenhuma intervenção pessoal pode mais aliviar o sofrimento. Pacientes de câncer morrem com dor severa e não aliviada. Um dos grandes problemas que o paciente tem é encontrar uma linguagem adequada. A dor é uma experiência pessoal e complexa que envolve vários componentes sensoriais, sociais, emocionais e comportamentais desagradável, associada a uma lesão tissular real ou potencial.

Lembranças das Minhas Outras Vidas-Livro 1 / 2   /3Onde histórias criam vida. Descubra agora