"Capítulo final" Despedida do Brasil

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Ele ficava cada vez mais distante, até ao ponto de dormir no quarto de hóspede. Chegava ao amanhecer em casa, ela chorava toda vez que chegava em casa por volta da meia noite, e percebia que estava perdendo seu marido. Sentia seu mundo desmoronar, tanta luta para chegar agora e ver tudo caindo no precipício. Ele estava traindo? Ela sentia que dessa vez o perderia para sempre. A dor de quem acha que está sendo traído, é indescritível, vem de dentro do peito. Dizem que o coração não dói, a dor que se sente vem do cérebro. Esse mesmo ano em fevereiro, seu sogro que estava no Japão há 2 anos, veio a passeio ao Brasil e os visitou, e ficou sabendo de toda crise que o Brasil se encontrava e das suas dificuldades e os convidou:

—Porque vocês não vão para o Japão? Lá vocês podem juntar dinheiro e depois voltam, conseguem comprar o prédio da escola...a ideia amadureceu...Fazia psicologia, não queria fechar o curso, precisava terminar primeiro. E a escola das crianças como seria? Morar em um país estrangeiro? Dúvidas e mais dúvidas, tinham animais sob sua tutela, o que faria com eles? Depois de um mês seu sogro voltou ao Japão, e deixou tudo acertado, como vaga de trabalho, passagem para eles. Mas ainda não tinham decidido a ir. Assim mesmo, tirara os documentos, como passaporte e outros documentos necessários se fossem, estaria tudo pronto. E a situação íntima deles corroendo. Via seu marido deitado naquela cama no quarto de hóspede e seu coração partido, dilacerado. Ele dormia o dia todo, e acordava por volta das seis e saia, voltando ao amanhecer, isso era todo dia. Não falava com ela e não dormia mais com ela. Seu coração quebrado, não seria consertado. Os ciúmes em Hiroshi, fazia ele proceder igual, ele revidava.

 O fato dele trair, estava enraizado no seu íntimo. Um homem doentiamente ciumento é alguém com baixa autoestima e total falta de autoconfiança. Ele não se sente digno nem merecedor da mulher com quem está e sempre acha que alguém irá roubá-la se ele não estiver por perto. Além disso, ele fantasia que a mulher por ele amada está procurando algum meio de escapar de entre seus dedos e traí-lo. Ele crê que ela mente e, portanto, precisa vigiar cada passo dela, seu telefone e seus amigos. Onde ela vai, com quem e por que vai. Qualquer descuido pode ser "fatal" e ele além de perder a mulher da sua vida irá fazer papel de bobo e ser alvo das piadas dos outros. Ele não leva em conta o fato de que se ela está com ele(já que ele não se acha merecedor) é porque ela o ama e quer estar com ele. 

O problema é que como ele não se ama, então acha impossível que alguém mais o faça. Daí vem o controle, da possessão, o isolamento, a violência e em alguns casos a morte. O amor incondicional desconhece a necessidade de possuir ou de ser possuído; diante dele as densas e sombrias nuvens do medo são dissipadas. O Amor liberta-nos das amarras do ciúme que nada seguram, mas que infestam a existência de insegurança, cobrança, ansiedade e sofrimento. O Amor incondicional é como águias que se deleitam nos espaços livres, cujo olhar flerta com o infinito, longe do repetitivo e estéril cacarejar dos galinheiros. O Amor é divino, Deus é Amor. O "Amor constrói", sempre! Constrói na proporção que acolhe e liberta sem julgamento, que promove e oportuniza a livre expressão da vida. Se não é amor é assassinato! É pelas vias do Amor que temos acesso ao universo interior, onde reencontramos a Filiação; pessoal e universal. É a partir deste espaço sagrado que percebemos as pontes que nos acessam a todas as almas. O ciumento, por sua vez, vive na dependência do objeto externo, entende que não pode ser feliz nem sobreviver sem a posse do outro. Transfere para o outro o direito, o dever e o privilégio de realizar-se em si mesmo. Considerando que a única pessoa que realmente podemos ter controle – isso, se desenvolvemos o autoconhecimento – é sobre nós mesmos, é inevitável a frustração, o desespero e o sofrimento do ciumento. 

Mas onde nasceu o ciúme? Antes de todos os dualismos e ambiguidades, antes que o ego se separasse do Eu, tudo era unicidade. Viva nos fragmentos oriundos da separação permanece a lembrança de um eterno, amoroso e livre pertencer. As divisões como as de gênero, por exemplo, advém desta fenda na unidade. Deste vácuo nasceu a solidão com o seu irrefreável desejo de reconquistar a unicidade aparentemente perdida. Assim, o ciúme é, em sua base, um desejo de sermos unicidade. Entretanto, corrompido pelo ego, o desejo de pertencer volta-se para o fragmento e não para a totalidade. Daí a impossibilidade de planificação do ser, a partir das demandas do ego. A maior perda, facilmente constatada na maioria dos seres humanos, é a perda de si mesmo. Tornamo-nos fugitivos do nosso próprio Ser. Fugitivos do paraíso da alma! O ego nos faz acreditar que estamos separados do Criador e em guerra com a Criação; sobretudo, com os de nossa própria espécie. Dessa crença do ego as religiões bebem e se embriagam. Surge das profundezas da solidão a ânsia de possuir uma pessoa ou um objeto.

Lembranças das Minhas Outras Vidas-Livro 1 / 2   /3Onde histórias criam vida. Descubra agora