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(*) capítulo revisado

As veias saltaram rapidamente, ficando escuras, a pele ficou extremamente pálida como se ele se tornasse uma estátua fria e sem vida. Ele gritou, mas não pode escutar atrás do vidro, apenas viu sua boca se abrir em uma expressão de dor e agonia, quando ele tornou a os olhar, seus olhos tinham mudado, o verde escuro tinha se tornado azul brilhante, como o de todos os outros, os globos tinham ficado avermelhados e com o novo grito, ela viu presas.

Ela tinha perdido seu irmão. Agora um monstro os acompanharia até em casa.

Sorriu para Steve, melhor amigo de seu irmão que tinha voltado para a cidade apenas para presenciar a Conversão dele, quando ele pôs a mão sobre seu ombro. Steve tinha olhos vermelhos, não azuis, o que não deixava de a causar calafrios ao cruzar olhar com ele. Conhecera Steve antes de sua Conversão, ele tinha agradáveis olhos castanhos, mas quando ele fez o teste foi declarado Miren e partiu para receber o treinamento, para a Capital Negra, onde todos os Miren e Hetar ficavam após o teste enquanto aguardavam as suas Conversões, ela não tinha o visto mais, isso faziam com que dois anos tivessem passado e sua memória apagasse um pouco do rosto dele.
Edone, o irmão que agora recebia seu primeiro sangue, teve a Conversão adiada, seu corpo estava fraco demais, as doenças que afligiam seu organismo prolongaram ainda mais seu sofrimento. Ela não o culpava por querer ser saudável, por querer correr sem faltar o ar, mas o culpava por se tornar exatamente aquilo que lhe assombrava, ele era quem a protegia, quem a tranquilizava, agora ela não teria ninguém.

- Ele foi bem.

Fechou seus olhos, não queria vê-lo beber sangue. A dor que ela sentia não podia ser descrita, solidão e decepção. Forçou outro sorriso para Steve, ele ainda era doce e educado com ela, ainda era gentil com Kath, mas agora era um monstro.

- Desculpe, eu preciso de um momento.

Steve assentiu, ele sabia o que ela sentia com relação a essas coisas, ele e sua família apenas, no caso dele foi culpa de um ataque enquanto estava em casa. Ele passava a maior parte do tempo convosco desde que conheceu Edone, quando suas vidas pareciam tranquilas, mas sofriam com as... dificuldades dela e Edone entrava em crises com uma frequência mais alta , anos antes. Steve o salvou uma vez. Agora ele nunca mais precisaria ser salvo.

Foi ao banheiro. Estava vazio, o que era uma sorte considerando a quantidade de pessoas naquela casa de Conversões, Edone era popular, querido e adorado.

Se olhou no espelho largo, ela estava acabada, tinha passado boa parte da tarde chorando, teve que usar maquiagem para disfarçar, ela odiava maquiagem. Lavou suas mãos sentindo a água quente e deixando que o calor a reconfortasse. Os monstros são frios, então calor é bom. Suspirou alto e permitiu que seus pensamentos tomassem sua mente, pensamentos sobre uma certa fuga que deveria acontecer em cinco dias, quando todos iriam para as festividades, apenas ela e Kath ficariam em casa e ela não iria ficar colada na irmã de qualquer maneira. Os passos, o mapa dos esgotos, o que precisava ser colocado na bolsa, os pensamentos usaram toda a energia do seu cérebro. Se chegasse ao final daquele túnel e se arrependesse ainda poderia voltar atrás, ainda poderia permanecer ali com os monstros, poderia se tornar um se fosse covarde demais para atravessar a savana e então o pequeno deserto até chegar a Terras Humanas, onde ela colocava suas esperanças. A dúvida que ainda a fazia cogitar permanecer ou partir estava em se, mesmo atravessando a savana e o deserto e sobrevivendo, ao chegar em Terras Humanas seria aceita por eles. Apenas puros viviam ali e era exatamente isso que ela não era. Impura até mesmo para os monstros. Filha de Miren e Salyu, ela tinha experimentado os olhares reprovadores lançados a ela pelos parceiros de seu pai desde a infância, mas ela era a que menos os sofria, Kath e Edone, principalmente Edone, eram repudiados pelos Miren da família pequena da qual seu pai advinha, ela era a única que se parecia com o pai, a única com a pele levemente mais escura, sem aquela palidez da mãe, com cabelos negros como uma noite encoberta de nuvens e sem lua, com olhos de um verde vivo, essa era a cor dos olhos do pai dela antes de sua conversão, dois séculos antes, agora eles eram vermelhos, da cor do sangue que bebia uma vez em cada sete dias, Edone e Kath eram a vergonha da família, já ela, era a possível salvação dos filhos de Talio Varhalarom. Ela não gostava daquilo, como eles esperavam ansiosamente até que o teste dela chegasse e eles soubessem por fim se Talio falhou com todos eles.

Ela parou a torrente de água que tinha acabado por molhar o vestido que usava. Ela não queria olhos vermelhos, nem azuis ou dourados, como os dos Salyu e dos Gorgan. Queria continuar sendo ela, apenas Elari, sem o Arostoth nem o Varhalarom. Sem a responsabilidade que colocavam em seus estreitos ombros. Era apenas uma garota, ainda nem tinha completado seus 19 anos, mas... para eles já estava preparada. Por isso o teste dela estava marcado, junto com o de mais trinta garotas de Tesme. Se... se realmente fosse indicada como Miren ela teria que ir para lá, a Capital Negra, seria mais uma oferenda de paz e obediência, seria moldada e forjada pelas mãos de monstros ainda maiores, monstros que não morriam, monstros com ouvidos em todos os cantos, com olhos em todos os lados e dentes maiores que os de todos.

Elari abriu a porta depois de permanecer mais um pouco ali dentro, com as mãos apoiadas na pia, encarando o próprio reflexo, como estava terrível.
Foi o que as duas jovens da família falaram ao vê-la sair de dentro do banheiro, eles eram obrigados a convidar aquelas malditas.

Voltando para o mesmo lugar de antes, estava com Steve próximo a si novamente, ele poderia ser um deles, poderia ter caninos quase tão longos quanto os dos que viviam para sempre e comandavam todos os outros, mas ainda era melhor que aqueles que tinham o mesmo sangue que ela e seus irmãos. Os familiares por parte da mãe também estavam ali, mas eles, como sempre, se isolavam em um canto, por mais que fossem todos Salyu e Gorgan ainda eram tão desagradáveis quanto os Miran.

- Está melhor?

A cor tinha saído de seu rosto, o Miren certamente notara. O olhar triste ainda permanecia. Ela decidiu que falaria com ele, mas ela decidiria o que seria dito.

- Voltou apenas para ver meu irmão?

Uma pergunta inacabada. Quase acrescentara meu irmão virar um monstro, mas ali tinham muitos ouvidos, ouvidos atentos e poderosos.
Steve se virou para ela, mas a garota permaneceu com o olhar preso ao irmão que agora colocava o manto azul dos Salyu, estava feito, completo.

- Na verdade, sou o responsável por esta cidade. - ele se moveu, nervoso, mas os olhos dela continuaram no irmão - Devo ficar aqui por alguns dias, para levar qualquer Miren ou Hetar que surgir.

Então ele estava ali por aquilo. Pelo mês dos testes. Três garotos por dia, durante uma quinzena, então duas garotas por dia, durante outra quinzena. Poucas pessoas por dia, para não afetar a eficiência do avaliador. O dia de seu teste seria o penúltimo, o faria com a filha do cozinheiro.

- Está atarefado...

Ele deu de ombros, mas o gesto mal foi percebido por ela que agora pensava em como poderia ser partir em um navio dali, com Steve, em direção à Capital. Um calafrio percorreu sua espinha e ela afastou o pensamento.

- Vai fazer o teste?

Ela olhou para ele quando o irmão saiu da sala de vidro, os olhos vermelhos já estavam nela, então ela desviou o olhar, encará-lo diretamente fora um erro.

- Vou, em três dias.

- Sei que deve ser difícil...

Difícil ir, ficar ali. Difícil ser indicada como uma deles. Ela se encolheu diante do toque frio de Steve. Ele recolheu a mão desconcertado.

- Sabe, Elari, nem todos nós somos frios.

Nós. Era aquela palavra que a incomodava, que a apavorava. Não queria usá-la para se referir ao mesmo tipo.

Edone tinha entrado no salão causando alvoroço entre os amigos e os Arostoth, que o parabenizavam por ter ganho um século. Era esse tempo que os Salyu tinham, um século de vida.
Elari se afastou de Steve e se escondeu aos fundos até que todos fossem embora, falando com eles apenas para dar adeus, sem os olhar nos olhos, ou entraria em crise ali mesmo e todos descobririam que Talio tinha uma filha quebrada além de impura.

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