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Ela sabia bem o significado de usar aquela cor, ao menos para sua família, e estava feliz em os mostrar como ela havia crescido, como não temia mais.

Elari andava confiante pelos corredores seguindo a caminho do salão, estava limpa, estava bem vestida e se sentia incrível, teria a atenção de todos para si pois aquela noite era dela, mas ansiava pela atenção de apenas uma pessoa.
As portas duplas se abriram, era no salão fechado pois ainda estava frio, mas era o enorme salão no qual foi feito o jantar para o rei, ela se perguntou se aquele lugar só era utilizado em eventos dedicados a pessoas, todos se voltaram para ela em sincronia, a primeira coisa que viu foi o sorriso de sua mãe, os olhos brilharam e ela realmente olhou para a filha após anos, ela finalmente podia olhar. Elari percorria a multidão com o olhar seguindo direto para os assentos reservados ao monarca e sua família, normalmente apenas dois lugares, porém havia mais um naquela noite, Kah Sung não estava lá, apenas o rei que logo fez com que todos tornassem às suas atividades, o que foi mais difícil que da vez anterior, os nobres pareciam perder interesse pelas coisas mais rápido, já os súditos de Negra ainda contorciam seus pescoços para a ver passando e sussurravam para os que estavam perto, haviam negros de todos os tipos, mas a maioria era Salyu, Elari sentiu um leve calafrio, mas nenhuma vontade de correr ou se encolher e gritar lhe veio, nenhum relâmpago cegou sua mente e nenhuma noite veio a ela. Talvez tudo que tinha precisado por todos aqueles anos fosse dizer o que sentiu e passou a alguém, mas esse alguém nunca havia aparecido até agora e naquele mesmo instante ele havia sumido. Ela não podia disfarçar sua decepção enquanto seguia até Ed com Kath em seu enlace. Ela olhou em volta mais uma vez ao parar próxima a ele.

- Você está belíssima.

- Obrigada.

Ela não olhava para ele e Kath pareceu triste.

- Ari, você ainda...

Ela finalmente olhou para ele e viu tristeza e preocupação marcarem seu rosto ainda mais belo que antes, por um tempo não entendeu e então a luz da compreensão lhe iluminou.

- Não, está tudo bem. Eu consigo olhar para você.

- Estou aliviada em escutar isso.

Meliah havia se aproximado com um sorriso, ela até mesmo estendeu a mão para apertar o ombro da filha que não tocou por tanto tempo, a filha que temia ser fruto de sua imaginação ou culpa.

- Onde está o papai?

Kath ficou na ponta dos pés para ver se ele não estava perdido atrás da mãe.

- Ele saiu por um instante, alguém importante pediu para falar com ele. O mais importante hoje é Elari, mas imagino que lhe envolva.

O olhar dela permaneceu desconfiado.

- Kath disse que receberam cartas. Diversas.

A mãe abriu mais o sorriso, os olhos brilharam com algo que devia ser orgulho.

- Sim, pensamos em aceitar algumas propostas, todas tão atrativas, digo, não todas, mas a maioria.

- Não me lembro de te-la escutado falar com tanto interesse nos negócios de papai.

- Eu não falava.

A tensão caiu e Ed tentou remover oferecendo bebidas que alguém tinha levado em uma bandeja, Elari aceitou e bebeu tudo de uma vez. O que ela tinha pensado? Que quando usasse o vestido que ela havia escolhido tudo seria apagado? Foram muitos anos de mágoa e isolamento para que soubessem como lidar uma com a outra sem que não se ignorassem. Depois ela viu os olhos abertos além do normal de Ed e Kath, sua garganta ardia e parecia que suas narinas estavam pegando fogo, mas era uma sensação melhor que a raiva.

- Damas.

O rei se aproximou e eles ficaram dentro de um círculo preenchido apenas por eles pois os demais se afastaram em respeito ao monarca, os olhos assustadores miúdos e negros do rei repousavam no pescoço de Elari, a barba dele que antes estava um pouco disforme estava aparada, os cabelos se tornaram mais grisalhos naqueles meses e ela soube que ele estava ficando ainda mais fraco. Se perguntou se Kah Sung também ficaria assim sem ela, envelheceria rapidamente e nunca mais poderia usar por completo suas habilidades pois seu ansoo sempre estaria atrelado a algo que não estava ali, vazando indefinidamente.

- Poderia ter uma palavra com a vitoriosa jovem?

Kath e Meliah se curvaram nodosamente já Ed não tirou os olhos do rei, se afastando em silêncio enquanto sua mãe chamava a atenção de Kath por ser tão impaciente. Elari não desviou o olhar do rei que tinha um de seus sorrisos assustadores.

- Alguns meses foram capazes de lhe mudar bastante, menina.

- O senhor mudou também.

Para um negro aquilo não era um elogio, não depois de sua conversão. Por mais que ele tivesse cumprido sua parte do acordo ela desconfiava do rei, ele sempre parecia estar ganhando algo e ela temia que o rei ganhar significasse ela perder.

- Bom, não sou mais o mesmo de cinquenta anos atrás.

Um rei que deveria viver a eternidade morrendo. Era por isso que a imutabilidade dos negros não importava tanto quando eles sempre tinham guerras, violência e fome, pois mesmo o rei tinha perdido o alimento de sua eternidade, a esposa, durante a guerra. Eles nunca tinham visto um destino de sangue firmado antes, mas sabiam o que poderia significar o rompimento e a confirmação veio pouco mais de uma década depois, quando a primeira mecha grisalha apareceu no cabelo dele.

- Por que não usa o colar?

Ela usava, todos os dias, ao ponto de esquecer que ele estava ali, ao ponto de ser natural colocar ele no pescoço todos os dias.

- Não ficaria bem com o vestido.

Ele analisou as roupas dela.

- Tem razão. De qualquer maneira, há cumpriu seu dever. Hoje foi uma representação e tanto de seu potencial, sua conversão também será impressionante.

Ele sorriu e rugas ficaram visíveis nos cantos de seus olhos.

- Ainda falta uma semana.

Aquela resposta atingiu ela com um baque, a ciência da proximidade fez sua visão escurecer.

- Eles vão poder ficar aqui?

- Com certeza, a garota poderá ficar pelo tempo que quiser, mas acho que o rapaz não deverá se sentir muito confortável.

- Por quê? - ela viu no olhar dele a resposta - Ed se adapta muito bem a tudo. É um guerreiro  sobreviveu a uma doença pulmonar e conseguiu passar pela conversão.

- Que o curou. Imagino se a força está no sangue de vocês e me pergunto que outros resultados pode ter tido.

Ele olhou além dela, para Kath que enervava Ed pedindo por um gole da mesma bebida que Elari. Ela sentiu uma gota de suor escorrer pela testa, não queria que o rei se interessasse pelo futuro de Kath, sentia que apenas problemas poderiam vir dele, que todos os pequenos e grandes sonhos da irmã seriam destruídos apenas com um olhar dele na direção dela, então ela bloqueou a linha entre eles.

- Onde está Kah Sung?

O rei ergueu uma sobrancelha e ela viu o deslize que cometeu.

- Não vi o senhor negro no salão.

Já era tarde e ela sabia, mas o rei pareceu satisfeito em se deixar cair na desconversa.

- Também não sei, menina. Ele pode ser meu filho, mas não costuma me dar indicações do que faz, quando ou com quem.

Nesse instante ela viu o pai entrar no salão e interligou os pontos, os dois estavam juntos e pela expressão seria do pai não parecia ter sido uma boa conversa.

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