Aquele maldito soldado estava pegando pesado com eles só por já ter passado por aquilo e agora se divertia os vendo correr, bater, pular e gritar ao comando dele. Era para terem aqueles dias de folga, mas estavam com pressa, uma pressa estranha demais que devia ter algum motivo por trás, motivo que também deveria explicar a quantidade pequena de guardas por ali e também toda a exasperação dos poucos que tinham os quais não paravam de andar para lá e cá com mais armaduras e armas que ficariam em um lugar como aquele, algo estava acontecendo ou prestes a acontecer e Oldren sabia muito bem daquilo, tanto que sua mente não parava observando os mínimos detalhes ao seu redor, cada movimentação, conversa e expressão, enquanto seguia as ordens do convencimento em pessoa. Ele também amaldiçoava aquele Salyu jurando que quando se formasse caso ele ser designado a servi-lo iria se vingar.
Correr não era difícil, lutar muito menos, mas os absurdos que mandava -os fazer, Oldren começou a sentir falta do velho mestre. Ao menos o ferreiro não o mandava limpar as cortinas gigantes da casa dele porque a empregada não estava. E o povo achava que miren não sofriam.
O que o deixava curioso, além das movimentações e cochichos, era a total ausência das duas garotas, Elari e Jasti. Como Hetar, deveriam receber um treinamento conjunto a eles, mas os anos sem um único negro profundo deve ter feito com que recebessem tratamento extra especial, mas as duas não apareceram para o jantar nem para a refeição ao meio dia, ele se questionou por horas a fio até que em uma volta com a garota Tharna, a pequena, barulhenta e falante Tharna Yulansh - ele as vezes sequer conseguia pensar com o que ela falava, desde os defeitos minúsculos no Palácio até os escândalos caseiros dos empregados - , pelo Palácio buscando mais cortinas ele as viu, as duas estavam cobertas de poeira, devia haver alguma aranha como tecelão pois suas roupas estavam invisíveis sob as camadas de teia. As duas estavam de cabeça baixa, uma mulher grande de cabelos brancos falava alto com elas, tinham quebrado algo importante. Elari ergueu o olhar com fúria quando a mulher falou algo baixo, por um instante, breve demais, Oldren viu chamas incandescentes nos olhos límpidos de Elari era como se aquelas mesmas chamas impressionantes e sombrias que ele tinha visto acenderem com o sangue dela a incorporassem naquele momento. Elari Varhalarom, ele lembrou, um nome forte e certamente o de alguém importante.
Pela visão periférica ele percebeu um movimento, ao olhar mais para o alto viu dois homens, um reconheceu como o general Norttal já o outro parecia sombras e luz ao mesmo tempo.- Vamos logo!
Tharna reclamou depois olhou para o mesmo lugar que ele observava antes.
- Aquela é a Elari?
Kah Sung o tinha convocado. Steve estava pouco ansioso para atender àquele chamado, o Senhor Negro nunca chamava alguém para conversar sobre o que queria para jantar nem para apontar defeitos no serviço. Quando entrou nos aposentos do príncipe o viu com a túnica preta e o capuz que costumava usar para suas escapadas, se era apenas aquilo... Não, não podia dizer apenas, as escapadas do príncipe sempre eram um grande estresse e dor de cabeça para o general, desde a primeira vez quando faziam dois meses que tinha se tornado general, uma responsabilidade secreta que jamais teria sido cumprida por ele se assim o pudesse fazer.
- Você foi quem trouxe a garota?
Ele perguntou ainda fitando da janela, as gotas da garoa escorriam no vidro e anunciavam uma chuva possivelmente breve, o inverno estava se anunciando.
- Senhor, garota?
Ele olhou de relance para Steve depois passeou até outra janela. Deu uma longa pausa antes de prosseguir com a voz firme, mas que não disfarçava a curiosidade.
- A Hetar.
Os dois sabiam de quem ele estava falando e Steve também viu que Kah Sung não pronunciaria o nome dela, não tão cedo.
- Sim. Ela e o garoto Tewak
- A conhece bem? São de seu vilarejo, correto?
Nem um tempo para fôlego, o príncipe estava ansioso, seu talento para disfarçar o que sentia era falho. Foi a vez de Steve dar uma longa pausa, longa o suficiente para fazer o Senhor se virar para conferir a presença do general o qual por fim cedeu. Não gostava daquela conversa e apesar do preparo mental não a aceitava.
- Sim. Desde a infância.
Kah Sung começou a dar voltas com as mãos unidas às costas. Propositalmente Steve continha as palavras por não querer deixar escapar informação demais, o príncipe já estava cogitando aceitar a proposta do Conselho, certamente por saber que seria apoiada pelo rei.
- Sabe por que ela... - ele gesticulou com uma mão, girando o pulso em busca de palavras - agiu daquela forma na noite das fogueiras.
Steve estava ficando irritado por justamente o ponto sensível de Elari ser tocado, mas não podia demonstrar isso logo para o Senhor Negro.
- Ela tem seus medos, senhor.
Os olhos de Kah Sung pousaram em Steve, uma análise profunda que nenhum outro poderia fazer. Foi tão demorado que o general sequer aguentava desviar o olhar por mais tempo e quando cedeu os dois se encararam por mais um longo tempo, era uma sensação esquisita, a de ter olhares trocados com ele, fazia calafrios percorrerem a espinha de Steve e se amaldiçoar por não ter resistido, se a análise dele era daquela forma como seria ter a ira do príncipe contra si? Steve não imaginava como os Conselheiros aguentavam e até mesmo o provocavam.
- Os preparativos foram concluídos?
O silêncio rompido abalou e desnorteou Steve, do que estavam falando mesmo?
- Perdão, Senhor?
O macho supremo da cor andou em direção à porta e se dirigiu ao corredor.
- A segurança já foi enviada ao rei?
Por fim o general conseguiu voltar e logo os dois deixavam para trás qualquer resquício da conversa sobre a garota cujo nome Kah Sung se recusava a pronunciar.
- Sim. Os melhores homens ainda estão no Palácio, mas os mais rápidos partiram.
- Bom. E quanto ao campo de treinamento?
- Os novos soldados estarão chegando em dois dias.
Eles dobraram em um corredor, estavam indo para o salão do príncipe. Se ele queria treinar, certamente era por estar sobrecarregado, Steve já começava a se preparar, seria ele o parceiro de luta de Kah Sung por ser o general quem era o único permitido a levantar uma arma contra o príncipe, com autorização.
- Os intercepte antes de chegarem ao Palácio e assegure que não haverá um único clandestino entre eles, seja um de nós até um animal. E os coloque no palacete, se o Rei irá perambular por aqui não vai querer ver um inexperiente na frente, os avise também, para que mantenham a discrição.
- Certo, Senhor.
Ele estava andando em um ritmo frenético que fazia o capuz esvoaçar atrás dele, Steve andava mais atrás ao lado, justamente para evitar o tecido, até que parou de súbito. Depois andou até o corrimão e o segurou, ao se aproximar Steve viu o que atraíra a atenção do Senhor.
No andar inferior estavam as duas garotas Hetar, as duas únicas garotas Hetar em anos, levando uma bronca de Ruilara Golynda, a mulher branca, cobertas de poeira e teias. Steve sentiu um cheiro forte de sangue, doce e deleitoso, ele conhecia aquele cheiro, Elari. No mesmo instante em que buscou a expressão do Senhor Negro ele se afastou e continuou a andar, Steve ficou mais um pouco, dividido entre acompanhar o seu senhor e descer até Elari e a questionar sobre seu estado e o que acontecera até que Ruilara se virou e olhou para cima na direção dele seguida das duas garotas o deixando desconcertado. Ele não soube como reagir então apenas seguiu Kah Sung sem olhar para baixo outra vez.
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Os Eternos
FantasyO que fazer quando seu destino é se tornar aquilo que mais teme? A vida de Elari é regida pelo medo, medo dos seus iguais, dos vizinhos, dos irmãos e parentes e, temendo seu destino cruel de se tornar um deles, um monstro, ela se vê dividida entre d...