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(*)capítulo revisado

O que fazer?

Poucos minutos e logo o navio iria zarpar. Estaria em alto mar e o mundo limitado de Tesme seria deixado para trás. Adeus Pequeno Deserto e Terras humanas além.
Estaria presa na ilha que era a Capital Negra.
Cercada de mar e monstros.

Orbus, o Deus dos mares, ventos e promessas, soprava ventos fortes que faziam aculumar nuvens espessas as quais impossibilitavam uma boa visão do que enfrentaria, era um tempo atípico para a quente Tesme. Sua mãe, seu pai, Edone e Kath estavam ali. A irmã falava empolgadamente sobre seus planos de visita-la em breve. Elari não sabia se chorava ou a abraçava o mais apertado possível contra si, logo não teria mais aquele calor para reconfortar-lhe. Logo estaria rodeada de frios e brilhantes. Sozinha.

Tivesse seguido direção norte, estaria no calor escaldante do Pequeno Deserto, ou morta por alguma das criaturas de lendas que nunca viu, mas escutara desde pequena quando a noite caía.

Agora ondas a aguardavam e pareciam chamar por seu nome. O mar não era menos perigoso que o deserto, mas com tantas pessoas as chances de continuar viva era maior, bem maior.

O meio dia já chegara e foram as duas coisas que ela fez, abraçar e chorar, quando viu Steve novamente, ele se despediu do amigo e da família dela. Ele lhe ofereceu um olhar e deu dois tapas no ombro do garoto ruivo que seria miren. Os dois começaram a subir a rampa do navio e ela olhou mais uma vez para sua família. Kath sorria com olhos molhados, sua mãe usava uma máscara de frieza, a mesma que não tirava há anos, seu pai permaneceu sério, os anos que ficariam distantes significavam menos do que para os que não brilhavam preto ou vermelho, não seriam como a eternidade, já seu irmão... Antes que tivesse chance de afastar-se ele a envolveu em um abraço e para sua surpresa ela não se encolheu de frio e medo. Devia ser o calor do meio dia abafado e de ventos quentes que o deixavam caloroso, mas ela ficou feliz em sentir aquilo. Quando se afastaram os olhos azuis a lembraram que ele tinha mudado.

- Sei que não será muito tempo, mas não podia deixar que fosse sem falar com você.

- Esperou eu não ter defesas erguidas para isso?

Ele apertou os lábios. Culpado.

- Steve me contou sobre como será em Negra. Elari, você vai precisar ser forte. E não deixe que comandem seu coração. Você é livre e forte.

- Eu sei disso. Acha que um pequeno brilho nos olhos me amedronta? - um silêncio pesado ficou entre eles interrompido pelo chamado do capitão do navio - Adeus, Edone. Desculpe por ter...

- Não! - ele a parou - Ainda somos irmãos e eu sempre vou ama-la. Nunca precisará me temer ou dizer-me adeus. Vou perseguir você... em um bom sentido.

Ela sorriu, não queria dizer adeus, mesmo que por pouco tempo. Quando estivesse cercada de monstros, fossem de lendas ou reais, ainda os amaria, mesmo que eles entrassem em seus pesadelos.

 Quando estivesse cercada de monstros, fossem de lendas ou reais, ainda os amaria, mesmo que eles entrassem em seus pesadelos

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O navio era pequeno e não tinha aposentos próprios para uma dama. O capitão pediu perdão a Steve centenas de vezes e ofereceu a própria cabine, mas foi recusado. Os três dormiriam juntos e com isso Elari ganhou muitos olhares de canto.
Sentir-se bem vinda ou à vontade estando rodeada de marujos brutamontes e grosseiros que cuspiam e bebiam mais que respiravam e que ainda por cima tinham olhos brilhantes no escuro era impossível.

Além disso, ela nunca tinha estado em alto mar, por isso um balde sempre a acompanhava. O homem que fazia a limpeza olhava para ela com nojo e pena ao mesmo tempo. O que ela poderia fazer contra os enjoos? Nada. Ela tinha mastigado as folhas que o cozinheiro a oferecera e até mesmo passara uma noite em delírios, cantando alto e incomodando os tripulantes. Se pudesse teria ficado na cabine o tempo todo, mas o ar era sufocante e suas roupas pesadas não colaboravam. Ela era obrigada a sair e olhar para aqueles homens assustadores, era obrigada a escutar seus gritos durante o dia e suas altas conversas e gargalhadas durante a noite. Evitava olhar diretamente para eles, mas estava cercada e com um giro ou um passo e tinha um na frente.

Steve andava de um lado para outro a deixando só por muitas vezes. Graças a isso acabou conversando bastante com Oldren depois de quase vomitar nele, ele ainda iria passar pela conversão, então era tranquilizador ter ele ali também. Ela descobriu que ele não tinha mais família, que tinha se tornado ajudante do ferreiro que vivia em Tesme, que ele costumava caçar na savana e que já tinha visto um leopardo de perto que o deixou com uma cicatriz nas mãos.

Ela se impressionava como mesmo sendo tão jovem quanto ela, Oldren tinha vivido bastante.

Era o terceiro dia de viajem e no seguinte estariam aportando em Morsia, onde todos os navios de fora ficavam e de lá embarcariam em uma navegação militar. O sol já havia se posto e Steve estava discutindo com o capitão mais uma vez, o dono do navio tinha gostado de escutar as histórias do miren, mesmo que envolvessem lendas infantis. Elari estava só com Oldren mais uma vez. Ele tinha pego uma das cervejas dos marujos e a bebia enquanto os dois observavam o céu estrelado e a lua menor que se erguia nos céus oposta à lua maior que se deitava com o sol.

- Elari, você queria ser Hetar?

Não. Mas ela se conteve, contar que viver naquela ilha era o que ela menos quis em toda a sua vida não soaria bem, ainda mais quando estava tentando mudar isso.

- Você queria ser miren?

Retribuir uma pergunta com outra era chato, mas... Ela também estava curiosa por aquele rapaz que tinha tido uma vida tão diferente da sua.

- Não... Quando minha irmã morreu eu pensei em como nada mais importava, que eu iria apenas viver como fosse possível. Nunca almejo algo para não ter que lutar.

Irmã. Ele não tinha mencionado aquila parte de sua família.

- Como ela era?

Naquele instante um enjoo começou.

- Ela era gentil. A melhor pessoa de todas. Como nossos pais morreram muito cedo foi ela quem me criou... Ela fez tudo por mim. Começou a trabalhar cedo, nem mesmo tinha passado pela conversão. Conseguiu bons patrões, mas...

Ele ficou em silêncio, dor no rosto. Elari se inclinou, em direção ao mar, para tentar vê-lo melhor.

- O que?

Oldren parecia magoado, com raiva e angústia. Ele apertou o copo e tomou o restante da cerveja antes de responder.

- Foi por causa deles que ela morreu.

Ele tinha passado a expressar ódio e culpa a atingiu, como quando se pisa em uma planta e só se percebe depois de tê-la esmagado.

- Eu sinto muito.

Ele a olhou longamente. O rosto ficando mais suave aos poucos, por fim ele disse.

- Obrigado.

- Sobre o que estão conversando até tão tarde?

Steve tinha terminado seus contos e agora se juntava a eles. O enjoo tinha ficado mais forte com o balançar mais intenso do barco.

- Estava bebendo, garoto Tewak?

Ele ergueu o copo e o virou derramando menos que uma gota.

- Se queria juntar-se a mim, chegou tarde.

- Teremos outras oportunidades. Talvez Elari se junte a nós.

Ele levantou uma sobrancelha e riu. Elari não aguentou mais e vomitou no mar.

Definitivamente a pior viajem de todas.

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