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Não era uma madrugada boa.

Ainda mais depois de todos aqueles dias esperando pelo Rei sem que ele chegasse, a tensão presente em todos os guardas tinha atrapalhado a atenção deles e agora estavam dispersos e incapazes de reagir a emergências, assustados demais e justamente por isso Steve os fez treinar todas as manhãs, havia funcionado.

O rei tinha que chegar na madrugada. Quando o guarda real bateu à sua porta quase invadindo Steve não estava preparado, teve que vestir a armadura sobre as roupas em que dormia e teve tempo apenas para jogar água no rosto antes de ter que correr pelos corredores do Palácio até encontrar o rei.

Seo Morthana o olhou de cima a baixo quando se curvou, ele viu o manto vermelho às costas do general e voltou a andar.

- Deveria tomar mais cuidado com sua armadura, general. Ela pode fazer diferença em uma batalha inesperada.

- Agradeço o conselho, alteza.

- Onde está meu filho? Quero vê-lo imediatamente.

- O príncipe está nos jardins, próximo ao templo, alteza.

- Vamos até lá.

Steve levantou a cabeça e andou rápido para acompanhar o passo apressado do Rei. Seo nunca foi um homem calmo, não para Steve, dizem que antigamente, quando ele ainda tinha a esposa, ele caminhava vagarosamente e perdia seu tempo com delírios e até mesmo visitava templos, mas após a perda da esposa seu tempo se esvaiu por ela ser sua parceira, por eles terem compartilhado sangue. Agora o tempo o atingia como a um gorgan e entre os cabelos escuros haviam fios grisalhos e ele andava sempre correndo, sempre resolvendo os problemas com velocidade e sempre viajando. Sem a parceira ele ficou mais fraco que um miren e sua sede maior, ele capturava animais com frequência e passou a fazer banquetes do líquido vermelho da vida e os olhos dele deixaram de ter o brilho real, brilho evidente no filho, no Senhor Negro, quem herdaria a coroa, só lhe faltava a rainha. Um príncipe não poderia tornar-se rei sem ter uma rainha ou o Conselho o faria até que tivesse uma parceira equivalente, por isso o Conselho estava agitado com Jasti e Elari, por elas serem as ameaças ao reinado que eles tanto ansiaram.

Assim como tinha previsto o Senhor Negro estava nos jardins, ele sempre estava lá quando faltava um mês para aquele dia, visitava o templo diariamente e se isolava durante o dia mais sombrio daquele reino.

O encontro daqueles dois sempre era acompanhado de nuvens espessas e cinzas e aquele dia não era exceção, o inverno estava chegando e se anunciava pela primeira vez naquele dia.
Capital Negra não apresentava as características do outono como nas cidades continentais, o mar afastava as evidências com seu calor excessivo ou frio exacerbado, mas não havia neve ali, assim como em Tesme.

- Kah Sung.

O senhor negro se virou para o pai e fez uma mesura pequena.

- Alteza.

O príncipe lançou um olhar para Steve que logo entendeu e dispensou todos os outros guardas que acompanharam o rei até ali depois se pôs mais ao lado, dando-lhes a falsa ideia de privacidade que queriam. O rei tirou dois envelopes de seus bolsos internos.

- Recebi notícias, sabe porque estou aqui.

- Receio que sim, mas vou pedir que me confirme.

O rei gargalhou alto e guardou os envelopes no esconderijo.

- Estava em Incantalar quando recebi uma carta de Marir informando que havia uma Negra Hetar. Imediatamente montei meu cavalo e vim aqui, confirmar isso. E no caminho, quando seus homens chegaram a mim mais uma surpresa, outra Hetar! Filho, sabe o que isso significa?

O rei colocou as mãos nos ombros do filho com um sorriso no rosto.

- Você poderá se tornar rei!

Kah Sung conteve uma careta que Steve sabia bem que ele queria fazer, um casamento de interesses nunca esteve na lista do Senhor Negro. Não, ele procurou todos os meios de evitar isso, buscou respostas em outros reinos e outras cores, mas não conseguiu argumentos suficientes. Um rei negro sem uma parceira de sangue nunca seria forte o suficiente, nunca estaria no auge do seu poder e isso tornaria o reino fraco.

- Temos mais opções que jamais poderia imaginar! Agora poderei descansar... Onde estão as duas? O mestre das armas atendeu meu pedido?

O senhor estreitou os olhos.

- Então aquele pedido de elas ficarem aqui...

- Claro que fui eu! Pedi que a Conselheira Golynda assumisse o treinamento das duas, precisamos que a mais forte e melhor seja a sua esposa e não há ninguém melhor que a Ruilara para escolher uma delas. Não! Temos que testa-las devidamente. Aquele pó que usam na fogueira de teste não é bom o suficiente, quem sabe uma delas...

- Você interveio mais uma vez!

Kah Sung explodiu. O rei o olhou assustado e Steve se preparou para morrer tentando parar uma briga entre os dois.

- Quantas vezes vai interferir no meu poder! Eu sou o Senhor Negro e EU sou responsável pelo treinamento! Ninguém pode mudar isso. Ninguém muda a tradição! Aquelas duas deveriam estar do outro lado da montanha, mas você...

Kah Sung virou as costas para o pai, trovões e relâmpagos soaram e brilharam nos céus, ele tinha aprendido aquilo de um jeito doloroso. Steve foi o único a ver a expressão do príncipe em fúria.

- Você aprovou. Você assinou a autorização.

O senhor negro se virou e apontou para o rei.

- Porque eu achei que o mestre queria! Não você. Se soubesse que era você...

- O que? Iria afastar a sua chance de tirar o cetro do Conselho? Não vê que eles estão com os dentes no seu pescoço. Essa é a nossa chance.

- SUA! É a sua chance.

Mais um trovão seguido de um relâmpago.

- Droga, Marest!

Ele conhecia aquela voz. Steve se virou e foi acompanhado pelo olhar furioso dos dois monarcas. Elari afastava a mão de Jasti Marest com ferocidade enquanto fazia uma cara de raiva que Steve sabia bem que não era bom sinal e esfregava o antebraço. Jasti Marest não reagiu a Elari, ela estava com a boca escancarada para o rei. Steve se lembrou de quem mais estava ali e imediatamente lembrou que aquilo poderia levar a consequências nada positivas para sua amiga, elas poderiam ser apontadas como bisbilhoteiras e isso incluia punições como arrancar olhos. Nada bom.

- Quem são vocês?

O rei questionou com cautela e pela primeira vez Elari percebeu de quem a atenção estava sobre ela, Steve viu o estremecer da garota, era o macho mais poderoso, em termos de influência, do reino que a olhava de cima e ameaçadoramente. Jasti começou a gaguejar e Steve sabia que Elari não pronunciaria uma palavra na frente daquele homem por isso decidiu falar.

- São suas preciosidades, alteza.

Mas o Senhor Negro falou antes dele e a seguir se virou e adentrou o templo, Steve sabia que ele estava começando a aceitar, mas ainda renegava a idéia, por isso não olharia para elas mais que por relance ou que o necessário. O único momento em que Kah Sung pôs os olhos em uma delas por mais de três segundos foi quando Elari entrou em pânico na noite da fogueira, certamente apenas por empatia, leve e breve, era o que Steve esperava e queria acreditar. Já Elari, ela não o tinha olhado diretamente nenhuma vez, naquela noite estava ocupada demais vomitando e enfrentando um dos seus piores acessos de crise, ao menos não tinha gritado na frente do Senhor Negro ou era capaz de ter que explicar coisas.

- É um prazer enfim conhecê-las, minhas queridas Hetar. Escutei bastante de cada uma das duas. Espero que possa escutar de vocês mesmas, em breve.

O rei se curvou para as duas e se deliciou com o espanto delas com aquela atitude. Quando ele se ergueu e voltou a entrar no Palácio, Steve estava dividido entre o dever e o coração que o dizia para ir falar com Elari e pergunta-la se estava bem, mas perdeu tempo demais com isso e acabou tendo que correr atrás do Rei mais uma vez e sem poder confortar Elari.

Os EternosOnde histórias criam vida. Descubra agora