Ele não estava sozinho.
O rapaz que o acompanhava era curiosamente silencioso e os olhos negros de hetar observavam Elari com cautela, a analisando. Ele trajava o preto e vermelho do exército, mas não portava uma espada, além disso o cabelo dele era bem mais comprido que um soldado comum, mais comprido que o do próprio general, Steve, e ainda assim ele tinha o brasão do reino em seu peito, o groule negro sendo destacado por um bordado prateado.
Raykar gargalhou, Jasti ainda não tinha se aproximado e parecia petrificada. Elari a viu dizer um não pode ser inaudível e depois sacudir a cabeça para afastar quaisquer pensamentos.
- Podem acalmar-se. Estou velho, mas ainda não senil. Também tenho que esclarecer algumas coisas e falar com o Senhor Negro.
Ruilara tomou a frente.
- Quaisquer assuntos que tenha a tratar com o Senhor Negro deve reportar a mim antes.
O olhar do Salyu se tornou obscuro, do tipo que fez Elari se encolher e querer chorar.
- Posso estar velho, Ruilara, mas ainda sou um macho a serviço do rei e só respondo a ele, ninguém mais.
- São procedimentos, Raykar.
Eles se enfrentavam com certa familiaridade, deviam se conhecer a bastante tempo e a hostilidade pairou no ar até que fosse cortada por mais gargalhadas do velho.
- Não vamos causar problemas. Veja, hoje eu trouxe meu aprendiz e futuro sucessor.
Ele usou a bengala para apontar para o jovem que não se curvou ou cumprimentou ninguém.
Ruilara o olhou de cima a baixo.- Não sabia que tinha permissão para passar o título de espadachim do rei.
- Ra! Como se não pudesse. O título é meu, faço dele o que quiser.
Elari viu Ruilara rolar os olhos, era assustador sentir toda aquela ameaça, perceber que aqueles dois eram provavelmente os mais poderosos depois do rei e de Kah Sung, que eles poderiam destruir aquele Palácio se lutassem um contra o outro.
- Este é Arghnam. Meu discípulo.
Nesse instante houve um barulho e quando Elari olhou um pouco além viu Jasti no chão, todos olharam para ela que tinha uma expressão mais assombrada que a de Elari, a loira olhava diretamente para o miren, uma mão cobrindo a boca e outra a mantendo sentada. Talvez ela desmaiasse bem ali, na verdade, ela realmente desmaiou. Ruilara correu na direção de Jasti e Derok usava seu corpo fino para segurar a escândalo, parecia que ele ia se quebrar com o peso.
Raykar se voltou para a frente, encarando Elari como se não houvesse nada de errado com Jasti.
- Imagino que você seja a primeira, Elari, certo?
Quando olhou um pouco mais para baixo percebeu que o mestre segurava o pulso do aprendiz, Arghnam ainda olhava para Jasti, um passo na direção dela estava dado, mas qualquer outro era impedido por seu mestre.
Ela engoliu em seco.- Sim.
A voz saiu falha e mais aguda que o normal.
Raykar soltou o aprendiz e juntou as duas mãos sobre a bengala, cobrindo a cabeça do groule, o rapaz não se movia, parecia que ele travava uma batalha interna.- Imagino, também, que saiba onde fica o escritório do Senhor Negro.
Elari apenas acenou dessa vez, os olhos dele brilharam de uma forma assustadora.
- Por gentileza, me guie.
Não era um pedido e Elari entendia porque o aprendiz tinha aquele ar de frieza, não importava quem ele era antes, ter que conviver com um mestre daqueles o moldaria em alguém que não treme, que não deve hesitar.
A jovem girou sobre os calcanhares e subiu as escadas, seus movimentos eram quase automáticos e já ao alto da escada o velho parou por um instante.- Venha, Arghnam.
O rapaz olhou para o mestre, os olhos completamente negros pareciam ganhar um brilho, uma conversa sendo feita com olhares e ao final o aprendiz seguiu o mesmo caminho que os dois, sem olhar para trás novamente.
Primeiro, Gemma sentiu um calafrio subir desde seus pés até a ponta dos dedos.
Ela tremeu até ver a sombra na sua mão, um alerta. Até mesmo as sombras estavam se encolhendo diante de quem estava se aproximando, logo depois houve um burburinho entre os soldados e até mesmo Cassien deixou a peça do jogo parada no ar. Em seguida alguém retornava a toda velocidade avisando quem se aproximava, o espadachim negro.
Gemma se levantou bruscamente e Cassien também, os dois se entreolharam e acenaram, cada um consciente do papel que deveriam assumir.
Cassien logo tomou as rédeas dos guardas e Gemma foi a procura de Elari.
A encontrou com um velho a seguindo. Não, não um velho. Mas o velho. A garota tremia e Gemma via que ela estava não só com medo do espadachim, mas apavorada, como se ele fosse o monstro de seus pesadelos. Ela precisava de apoio, então Gemma os interceptou, se curvando, viu Elari suspirar e relaxar um pouco quando a oficial ficou ao lado dela. O espadachim nada disse à ruiva, apenas um breve aceno, já Arghnam...Ela quase tinha ficado tonta com a presença do velho amigo ali. Sabia que ele estava com Raykar, mas jamais havia imaginado que ele o levaria para o Palácio. Agora a pequena omissão dela estava arruinada. Arghnam provavelmente iria entrar em mais confusão devido àquela família desgraçada, só podia esperar que o mestre do rapaz pudesse impedir isso.
Ela havia visto que ele estava diferente, mas não tinha como saber como ele reagiria ao ver a loira, que tipo de passado eles poderiam compartilhar. Arghnam nunca falava sobre seu passado além do que ela já sabia, do que todos sabiam, e isso era muito pouco e vago.
Ela espiou os machos que as seguiam, o velho espadachim parecia estar se divertindo com qualquer que fosse o tipo de jogo que ele estava armando, ele andava vagarosamente pelo corredor de rocha branca e a bengala batia a cada dois passos no chão fazendo um eco um tanto perturbador. Já Arghnam estava sério e sombrio, aquele ar não combinava com ele, não com o jovem sempre animado e carismático dele, Gemma só o tinha visto daquele jeito uma vez, quando o encontrou na sargeja, abandonado e coberto de sangue. Aquele macho devia o ter mudado de alguma forma, uma que Gemma esperava não ser irreversível.
Eles seguiam por um caminho familiar e conforme se aproximavam do destino que Gemma acreditava ser o final Elari parecia oscilar entre tranquilidade e tensão. Os passos ora mais rápidos, ora mais lentos. Até que eles estavam de frente à porta e a garota ergueu o punho para bater nela, hesitando e tendo que receber um incentivo do espadachim, ela se encolheu com a voz dele e não o olhava diretamente.
Foi quando Gemma teve certeza de qual o medo de Elari, ela sempre se afastava dos guardas, costumava desviar o olhar de Cassien subitamente e agora sequer olhava para o ancião enquanto não hesitava diante dela, ou do Senhor Negro e nem mesmo do rei. Ela tinha medo dos Salyu. Algo que não fazia muito sentido já que eles não eram uma grande ameaça, ainda mais comparado aos miren, ainda mais quando ela própria era uma ameaça a eles.
Ela bateu e não houve resposta. Os gêmeos do Senhor não estavam em suas posições e Gemma abriu a porta, confirmando que o escritório estava vazio. Elari ficou tensa mais uma vez e o espadachim entrou na frente deixando Gemma, Elari e Arghnam à porta. Ele olhou ao redor depois se virou para eles, ergueu a mão em um convite.- Entrem, vamos esperar que ele retorne, temos tempo.
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Os Eternos
FantasyO que fazer quando seu destino é se tornar aquilo que mais teme? A vida de Elari é regida pelo medo, medo dos seus iguais, dos vizinhos, dos irmãos e parentes e, temendo seu destino cruel de se tornar um deles, um monstro, ela se vê dividida entre d...