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No dia seguinte o espadachim anunciou sua abdicação e a sucessão de seu aprendiz, o novo Espadachim Negro.

Elari escutou os empregados sussurrarem sobre aquilo, escutou Marjeana a notificar que para o espadachim ter feito aquilo pelo rapaz, ele devia ser realmente admirável, a jovem escutava tudo com alivio e tristeza, uma boa notícia acompanhada de um lembrete de Irmai, ela se perguntava que tipo de sentimento o deus da morte tinha por ela ao ponto de sempre parecer próximo de alguma forma.

Seria no dia seguinte, o seu desafio, e Jasti havia sumido, com as lições da escandalo encerradas ela deveria passar mais tempo no quarto que compartilhavam, mas a loira passara todo o dia ausente. Os preparativos mantinham os empregados e serviçais ocupados e ate mesmo Marjeana foi tirada de sua função de estar sempre disponível para ela. Assim, Elari estava sozinha, vagando pelos corredores do Palácio sem um rumo, Kah Sung estava ocupado com os preparativos, Jasti estava desaparecida, Marjeana foi requisitada e Gemma nunca retornou de sua conversa com o aprendiz do espadachim. Elari estava a frente da porta do capitão da guarda, se perguntando se Cassien estaria ali, como Gemma já mencionara antes, era ele quem cuidava de todos os deveres do posto, mesmo não lhe pertencendo, então ela acabou indo ali. Ela queria levantar uma espada contra um oponente tão habilidoso quanto Gemma.

- O que a mocinha faz na frente da minha porta?

Ela viu um macho que desconhecia, ele possuía uma áurea ameaçadora, era muito alto e os olhos azuis quase não visíveis sob o olhar desconfiado dele a amedrontavam, mas ela não demonstraria isso.

- Cassien Lirce, eu o procuro.

O macho imediatamente assumiu uma nova atmosfera e abriu um sorriso largo e descontraído.

- Então o garoto tem quem o procure? Vejo que ele cresceu bastante com a nova patente. Uma pena que seja uma das garotas do rei.

Ela não negaria, não quando não sabia que tipo de guarda era aquele.

- Se o encontrar, diga que o capitão está agradecido e o pai, orgulhoso.

Ela acenou e se virou para sair logo dali, ele tinha um jeito estranho, como se a ameaça que representasse fosse maior que a aparente.

Seus passos rápidos ecoavam pelo corredor que tinha tomado, mais um ainda inexplorado por ela e ainda assim sua mente não deixava de vagar para as lembranças do dia anterior, as lembranças do que Kah Sung a havia dito e pedido.
Talvez, com ele talvez ela pudesse suportar uma vida eterna, mas por mais que os sentimentos por ele fossem tão intensos e verdadeiros, ela se questionava se ele bastaria, se o destino de sangue iria ajudar a manter tudo aquilo resistente ao tempo, se ela não se dobraria diante do regente dos homens. Havia muito que mais de um vivia por tempo o suficiente para saber que a eternidade  devia existir, o único que ela havia visto estava ali, naquele Palácio cuidando dos enfermos.

Ela decidiu seu novo destino, mas antes que pudesse dar a volta avistou a figura inconfundível de Cassien atravessando o corredor de uma porta para outra do lado oposto.

- Cassien!

Mas ele não a escutou antes de entrar e berrar algo contra alguém. Ela se assustou, não devia ser um bom momento. Nunca tinha visto Cassien irritado e se ele estava ao ponto de alterar seu tom de voz devia ser algo sério, então, antes que pudesse dar a volta ela viu Gemma sair de lá. A ruiva se virou na direção dela, o rosto parecia cansado e os olhos não tinham o brilho de esperteza de sempre.

- Gemma...

Elari sussurrou, Gemma avançou na direção dela logo depois de o tenente sair pisoteando.

- E você não vai me impedir!

Ele tinha o olhar de um macho capaz de matar, com vontade de matar. Gemma se encolheu.

- O que...?

- São problemas, Elari, mas nada que envolva você, então fique calma. Eu vou cuidar de tudo. Só, por favor, ninguém pode saber das intenções se Cassien, por ele, apenas ignore.

E antes que Elari pudesse reagir Gemma iniciou uma corrida rápida, do tipo que apenas os miren e hetar conseguiam, uma que os fazia desaparecer à vista.
A jovem passou o restante do dia com aquela situação em sua mente, a repassando várias e várias vezes tentando entender.
O berro de Cassien, eu vou matar aquele desgraçado, como se alguém tivesse cometido uma afronta contra ele e no entanto era Gemma quem parecia cansada e abalada. O que teria acontecido?

A única alegria era a remanescente do dia anterior, de quando finalmente contou tudo para alguém e obteve uma resposta perfeitamente egoísta, o exato do que precisava.
As duas luas estavam altas no céu quando Jasti retornou, a própria Elari tinha ficado acordada com a mente vagando entre Cassien e o dia seguinte, ela fedia ao cheiro de taverna e estava usando as roupas de treino, Elari permaneceu deitada com os olhos fechados e escutou Jasti perguntar.

- Por quê?

Ela escutou sons de soluços e deduziu que ela chorava. Ela não sabia que Jasti tinha lágrimas para derramar, não sabia que ela sequer era atingida por algo e logo um conflito interno era travado por Elari. Pensava que devia conferir se a escândalo estava bem, até ser um ombro para ela, mas uma outra parte estava apenas aliviada por sua companheira de quarto não ser uma fortaleza perfeita, por ela também possuir fraquezas.
Ela não gostava muito dessa parte, de ver que ela tinha pensamentos daquele tipo.

Por fim estava afastando os lençóis e indo em direção à loira. Os ombros dela tremiam, os cachos caiam como uma cortina cobrindo o seu rosto que suas mãos estavam cobrindo mais ainda.

- Jasti?

Ela estendeu uma mão para afagar a garota, mas ela ergueu o rosto coberto por lágrimas com raiva e bateu na mão de Elari antes que pudesse tocá-la.

- Saia daqui!

Elari engoliu a raiva antes que ela subisse à cabeça, aquela era apenas a armadura de ferro de Jasti.

- Jasti, você está bem?

Ela abriu um sorriso que não combinava em nada com sua expressão.

- Eu pareço estar bem? Você ao menos se importa se minha vida está desmoronando mais ainda? Acho que não. Acho que você está feliz com isso. Porque nada importa para você desde que tem as graças do querido príncipe, porque você é a maldita egoísta que só vem me mostrando que mesmo que eu tente sou apenas um lixo. Porque, Elari , se está aqui me perguntando se estou bem é apenas para diminuir essa sua culpa pela satisfação do meu sofrimento.

Não sabia que tipo de reação ou desabafo era aquele, mas foi uma flecha certeira na culpa dela. Não pela satisfação, mas pelo alívio, por estar ali exatamente por repudiar essa parte dela que suspirou.

- Viu só. Pela sua cara já vi que acertei.

Jasti virou o rosto como se lembrasse que o próprio rosto denunciava seu estado. Elari apertou a mão que Jasti afastou em um punho, depois de mais algumas engolidas ela se sentou na cama, ao lado da escândalo e perguntou.

- O que aconteceu?

A loira olhou incrédula para ela e abriu a boca para falar o que certamente seria mais ofensas.

- As vezes, Jasti, tudo o que precisamos é que alguém nos ouça, que nos envolva enquanto choramos, mesmo que essa pessoa faça isso para diminuir a própria culpa.

Ela havia entendido isso no dia anterior, com Gemma e com Kah Sung, uma apenas estava lá e o outro a escutou denunciando, depois, o próprio egoísmo. Afinal, tudo tinha um pouquinho dele, não é mesmo?
Jasti a encarou por um tempo e depois retornou às lágrimas não sendo mais capaz de as conter.

- Eu o amava.

Ela tentava afastar mais choro, porém ele apenas se derramava mais, infinitamente.

- E o pior é que ainda o amo.

Os EternosOnde histórias criam vida. Descubra agora