Eles tiveram um funeral.
Os dias estavam ficando mais longos e com aquela fogueira parecia ainda mais cedo, Tharna, Rahir, Luste, Urgath, todos os 11 estavam ali como companheiros, Craz Ertowa como mestre, Elari... como futura rainha e ele, Oldren, estava ali para a acompanhar. Antes de o queimar eles o vestiram, limparam a ferida e o vendaram com a faixa vermelha, a cor das chamas que o cobriam naquele instante, graças ao pó do espiritualista que surgiu para guiar o funeral, a grande fogueira da morte e antes mesmo que ela se extinguisse eles estavam saindo, o navio os aguardava. Haviam em torno de 40 pessoas além dos marujos, o grupo seleto do rei e do senhor negro. A desculpa perfeita era a conversão dos 12 jovens que seriam o futuro do reino, mais as das duas hetar, o povo teria ido ao cais para desejar uma boa viagem, se não estivessem partindo em segredo.
O que Oldren estranhava era a ruiva que permanecia ao lado dele, logo atrás de Elari a cada passo, ele já a tinha visto em algum momento, espionando Elari, falando com ela, apesar de não ter passado pela porta, uma miren e se Ruilara Golynda era a mulher branca, ela seria a vermelha, com olhos e cabelos selvagens e crepitantes, uma cor bem chamativa para alguém que espreitava pelas sombras.
Era uma noite com apenas uma lua e esta, a menor, em sua fase crescente, perfeito para uma fuga real. Quarenta e entre eles, toda a família real. Oldren riria se o contassem que o antigo general do exército negro fugiu na calada da noite, mas a morte de Ginsa devia envolver algo sério, os cortes grotescos em sua garganta não eram um trabalho discreto, era chamativo e praticamente gritava um alerta. Ele havia visto o príncipe pedir que Elari tivesse sua adaga ao alcance e recebeu ele mesmo as ordens para manter-se alerta. Havia algo perigoso em Capital Negra, algo que fazia o rei deixar suas terras.
Gemma se arrependeria profundamente de não dizer adeus ao amigo, então ela o disse, pouco antes de embarcar naquele navio ela foi atrás dele o agarrou antes que pudesse fugir e disse a palavra. Ela iria se lembrar do olhar triste dele pela eternidade. Era o olhar de um macho que sabia que iria morrer, que iria morrer bem antes dela. Ela gostaria de pedir desculpas, de dizer que havia escutado o que ele tinha dito, mas... Não iria adiantar, nunca iriam voltar a ser como antes, ela não o amava, não da mesma forma que ele. Preferia não ter ido atrás dele naquela noite.
Precisava deixar aquilo para trás, nada iria adiantar, ela sabia o que sentia e... aparentemente Cassien também. A vida dele parecia ainda mais difícil que a dela que cresceu nas ruas. Gemma fechou os olhos e tentou focar no agora e ele envolvia o sentinela de Elari a olhando desconfiado. O jovem não a conhecia então assim que Elari entrou na cabine a ruiva se virou para o ruivo.
- Sou Gemma Calerdal, Tenente do exército e provisória sentinela de Elari Varhalarom.
Ele a olhou de cima a baixo, um olhar estreito e esperto.
- Você é uma espiã.
Jovem esperto, esperto demais. Sim, ela era uma espiã, uma dos vinte de todo o reino, a patente de tenente era apenas uma formalidade, haviam muitos no exército, o suficiente para vinte não fazerem falta, o suficiente para o reino esquecer da existência deles, mas aquele garoto não tinha.
- Sou uma tenente do exército e você é...
- Oldren Tewak.
- ...Futuro sentinela.
Ela tinha escutado sobre ele, uma conversa do mestre das armas com o rei, promissor, astuto, forte e inteligente. Teria sido escolhido como o vigésimo primeiro, se Elari não houvesse o requisitado antes e ele sabia daquilo. Em troca, o mestre escolheu outro aprendiz, um ano de prodígios pelo visto.
- Então, você dará a vida por ela?
- Sendo necessário.
Gemma estreitou o olhar.
- Pretendia ser sentinela?
- Não.
Ele permanecia imóvel e inexpressivo, Gemma o observou mais atentamente.
- Você é de onde?
- Tesme.
Verdades porém frases curtas, aquilo era algo que dificultava o trabalho de Gemma.
- Desculpem interromper, mas eu gostaria de ver minha irmã.
Gemma se virou e lá estava o encantador Edone Varhalarom, sorrindo com charme. A ruiva engoliu insetos que se mexiam em seu estômago.
- Será uma longa viagem, por que vocês não revezam?
Oldren não respondeu e Gemma viu que aquele garoto não era só um prodígio, mas um maldito cabeça dura também.
- Oldren, querido, você fica com o primeiro turno.
- Noite.
Ela suspirou, não iria achar ruim uma noite depois de tantas entre as sombras, só precisava encontrar uma rede para si.
- A vontade, nobre.
Edone abriu mais o sorriso e agradeceu, Gemma pensou em como seria bom pro garoto fazer como o irmão de Elari, quem sabe alguém gostasse dele, alguém além de Elari. Pelo visto a futura rainha lidava bem com os isolados, Kah Sung devia ter sido de fácil acesso para ela, não que a própria Gemma fosse exceção.
Ed estava cansado e sabia que Elari também devia estar, assim que entrou viu a irmã encurvada, segurando a cabeça, o cabelo estava solto, algo que não via há algum tempo, ele se sentiu ao lado dela e sentiu cheiro de cinzas mesclado ao cheiro único que ela tinha.
- Você está bem?
Ele acariciou as costas dela, parecia estar carregando um fardo e quando ela ergueu o rosto, lágrimas escorriam por ele.
- O que há?
Ele afastou as lágrimas e ela se agarrou a ele como fazia antes, como se ela não se importasse de ele não ser mais quente.
- É errado. Eu sei que é, mas eu estou feliz.
Ele não conteve o suspiro de alívio, já havia visto a irmã chorar de medo, já havia a visto se isolar por solidão, mas a ver chorar de felicidade seria algo a que ele poderia se acostumar com facilidade.
- Então por que chora?
- Por que eu sei que é egoísmo. Eu estou tão feliz por ter todos vocês comigo, por finalmente ver que podemos ficar juntos, mas... há algo errado, alguém morreu e eu estou aqui, grata por vocês terem que ir comigo para Incantalar.
Ele queria afastar todo aquele sentimento ruim dela, já havia tido o suficiente para duas eternidades.
- Não há problema nenhum. Não iríamos perder a conversão de nossa Ari por nada e sabe, a Kath estava louca para conhecer a cidade real. Acha que vai conseguir algum nobre por estar lá.
Ela riu e ele sentiu que seu trabalho estava feito. Por um bom tempo ela o abraçou até que olhou pra ele e sussurrou um obrigada. Enquanto ficavam em silêncio tudo em que ele conseguia pensar era em quanto gostaria de manter aquela felicidade e em vermelho, em vermelho crepitante.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os Eternos
FantasyO que fazer quando seu destino é se tornar aquilo que mais teme? A vida de Elari é regida pelo medo, medo dos seus iguais, dos vizinhos, dos irmãos e parentes e, temendo seu destino cruel de se tornar um deles, um monstro, ela se vê dividida entre d...