Já havia passado mais da metade da noite quando a nobreza se recolheu, não era por terem cansado ou pelas festividades terem acabado, eles tinham outro evento para celebrar.
Gemma estava tão empolgada quanto qualquer outro cidadão comum que não poderia presenciar. Era um evento tão privado que nem todos entre a nobreza poderiam presenciar. A formação do laço era para os próximos e a firmação, apenas os dois. Quem iria guiar a primeira cerimônia era a mesma espiritualista dos mirens. Aquela seria diferente de todos os outros das últimas décadas pois seriam duas fêmeas, primeiro era exigida a presença de todos os hetar e por isso o Conselho havia chegado ao Palácio de Madeira, além deles, os que conseguiram viajar até ali, ninguém das ilhas, por conta dos blocos de gelo ainda presentes no mar, levariam dias, também.
A pequena multidão tomou todo o jardim principal do Palácio, lanternas estavam distribuídas pelo lugar formando um círculo, as cadeiras distribuídas em meia lua permitiam que todos pudessem ver o altar em frente à árvore das festividades, desta vez, cinza era a cor predominante. Gemma era quem estava cuidando da segurança de Elari pois o jovem Tewak ainda estava se recuperando, nem mesmo o queridinho de Craz Ertowa era páreo para uma conversão. A ruiva ainda se lembrava da própria, a visão turva, a dor, depois a sede, então... alucinações. Não era uma boa lembrança, então se concentrou no momento, os lugares estavam preenchidos e os principais haviam chegado. Ao final do corredor central estavam as duas, Elari e Jasti, ambas trajando o preto que as cobrirão pelo resto de suas vidas. Elas tinham as flores nas mãos, as flores eternas, as cabeças se viraram em direção a elas e as duas deram as mãos. A espiritualista as chamou e elas começaram a andar para o altar, Gemma via como cada passo era longo e demorado, como as duas apertavam cada vez mais a mão uma da outra, seriam irmãs agora, teriam suas vidas seladas no mesmo dia, morte e vida.
Houve um tempo em que a tenente sonhou em ver algo assim, quando era pequena e inocente, quando as ruas não eram seu lar, ela quase não se lembrava dessa parte de sua vida e quase sempre parecia não ter existido, mas ali estava ela, realizando um pequeno sonho de uma garotinha. Era belo e assustador e se ela sentia aquilo as duas deviam sentir ainda mais.Ao alcançar o altar elas se curvaram, a espiritualista começou o ritual para as purificar, água, sangue fogo. Elas só separaram suas mãos quando tiveram que as entregar para que o corte fosse feito, derramado sangue nas pétalas das flores e então elas se viraram para os presentes, as mãos se uniram novamente e a espiritualista proferiu a pergunta.
- Quem irá nomear Elari?
O príncipe se levantou e se aproximou.
- Eu, Kah Sung Morthana, nomearei Elari com meu nome e meu sangue, desta noite até o fim dos tempos.
- Alguém questiona a oferenda?
Todos permaneceram em silêncio, ninguém iria contra a vontade do príncipe herdeiro. A espiritualista acenou e continuou.
- Quem irá nomear Jasti?
Alguém se levantou rapidamente quase derrubando a cadeira.
- Eu, Jiovan Carlekov, nomearei Jasti com meu nome e meu sangue, desta noite até o fim dos tempos.
Houve um burburinho, mas a espiritualista continuou como se nada houvesse mudado. O jovem nobre era magro e alto, parecia um galho balançando com o vento de nervosismo.
- Alguém questiona a oferenda?
Alguns segundos se passaram e a espiritualista começou prosseguir com a cerimônia, os olhos da jovem Marest eram visíveis mesmo à distância, então um idiota interveio.
- Eu contesto.
A tenente sentiu vontade de se esconder nas próprias sombras quando Arghnam se pôs de pé. Todos se voltaram para ele, até mesmo o rei parecia curioso, já Jasti suspirou aliviada, a ruiva só não sabia se era por sua união com o galho ter sido, no mínimo, adiada.
- O que o motiva, nobre senhor?
Os sussurros eram quase uma discussão, mas Arghnam falou mais alto.
- Eu desejo nomear Jasti, com meu nome e meu sangue...
- Nenhum espadachim jamais fez um laço!
Algum conselheiro bradou. Os demais concordaram, Gemma viu o galho tremulando acenar a cabeça avidamente, ela quase podia descrever perfeitamente o que tinha ocorrido antes da cerimônia, os nobres se juntaram para decidir quem poderia nomear a garota hetar disponível, eles discutiram até que o senhor de uma grande terra bateu a mão contra a mesa, ou quem sabe sacou uma espada ou mesmo ouro, e declarou que o filho era quem iria, como ele era o mais poderoso, conseguiu silenciar os demais apesar da discordância entre eles, agora ali estava o rapaz, tremendo de medo, provavelmente da fúria dos outros jovens mais fortes, aliviado por ser apoiado de alguma forma.
- Talvez seja a hora de mudar isso.
Ele declarou em resposta, os esbravejos se tornaram mais altos, a discussão estava se mantendo e alguns até mesmo se levantavam para gritar com os outros, ali estava uma briga bastante perigosa em eminência, hetar brigando não seria uma visão muito agradável, mas era algo que uma Gemma de dez anos amaria ver. Bom, ela ainda gostaria, se não tivesse que intervir.
- Não há nenhuma regra que aponte que os espadachins não podem ter um laço.
O rei proferiu com sua voz estrondosa, todos se silenciaram e aquietaram, apesar de já não evidenciar nem uma parcela significativa de seu poder ele ainda impunha respeito. Ainda podia ser questionado, desde que respeitosamente.
- Como resolveremos esse impasse? Temos duas oferendas para uma única fêmea.
Gemma viu Arghnam abrir um sorriso que ela conhecia bem.
- Se desejarem, podemos resolver com um tradicional duelo.
Mais exaltação se sucedeu.
- Isso seria injusto!
Acusou um nobre que devia ser o pai do galho.
A espiritualista bateu as palmas uma única vez e todos se sentaram.- Temos duas oferendas a uma fêmea, deixemos ela escolher qual vai aceitar.
Houve protestos baixos, mas eles concordaram. Gemma soube que era unicamente por aquele nobre ser um parceiro comercial dos Marest, ele esperava que a garota trilhasse o caminho escolhido pelo pai, um golpe simples, mas ele não conhecia a garota dos cachos dourados.
- Eu escolho, para me nomear... Arghnam Golovorez.
Ela estendeu a flor em direção a ele e protestos se iniciaram, mas o rei os silenciou. As flores foram entregues para os nomeadores e a Espiritualista os laçou ambos os casais em eterna união.
A cerimônia seria mais bela se não houvesse sangue, aquilo deixava Gemma com fome, algo que não a agradava.
Os quatro proferiram as juras eternas e seguiram para caminhos diferentes, os lugares onde iria firmar os laços.
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Os Eternos
FantasyO que fazer quando seu destino é se tornar aquilo que mais teme? A vida de Elari é regida pelo medo, medo dos seus iguais, dos vizinhos, dos irmãos e parentes e, temendo seu destino cruel de se tornar um deles, um monstro, ela se vê dividida entre d...