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Falar com aquela fêmea morta.

Essa era a sua missão, mas falar com os mortos não era algo que qualquer um podia fazer, mesmo entre os espiritualistas era um dom raro, se o rei esperava que ela pudesse fazer aquilo... O que queria saber?

Ela pegou a adaga e a desembaiou, a lâmina brilhou e o desenho das chamas parecia tomar vida. Ela precisava fazer aquilo e o faria mesmo com o medo, mesmo com o pavor. Se aquele espírito realmente aparecesse para ela não sabia como iria reagir, se ainda respiraria.
Ela posicionou a lâmina, faria um corte menor e mais raso daquela vez, ela estava sob controle, ela mandava.

Passou o fio pela mão e depois a fechou para acumular um pouco antes de derramar sobre a cerâmica.

- O que pensa que está fazendo aqui?

Ela se virou em um susto apertando mais os dedos e lá estava ele mais uma vez fazendo aquela mesma pergunta.
Ele a olhou de cima a baixo e viu a adaga, ele sentiu o cheiro e algo mudou em seu olhar. Em um segundo ele estava segurando aquela cortina a encarando furiosamente e no outro pressionando o pulso de Elari contra a parede, a adaga era inútil, com a outra mão ao lado da cabeça dela era impossível tentar escapar e além disso estava atordoada com o súbito deslocamento e a colisão contra a parede, as costas reclamando e a perna latejando, rápido demais.

- Não lhe diz respeito.

Ela jogou aquelas palavras contra ele com gosto, o rosto dele ficou mais severo e ela ergueu o queixo com orgulho, podia estar encurralada, mas não se deixaria oprimir por isso.

- Você é uma maldita desobediente.

O olhar dele baixou para seu pescoço e depois mais, até onde o pingente em forma de gota estava.

- Ou talvez não. Meu pai a mandou aqui?

- Eu vim por conta própria.

O que não era uma mentira, mas também não era a resposta completa. Ele inspirou e mais uma vez seu rosto se transformou, a severidade foi substituída por... desejo. O mais puro e voraz tipo. Os olhos dele tornaram para os dela e ela viu aquele brilho que os tornava parecido com os do groule.

- Você... seu cheiro é...

A mão que a encurralava tocou o queixo dela e desceu para o ombro e então o braço para repousar sobre seu punho fechado, toda a pele que ele tocou absorvendo aquele calor incomum, provocando formigamentos depois de passar. Ele ergueu a mão dela até a altura do ombro e todo o resto foi esquecido quando ele a inspirou, quando aquela boca estava em seu ombro, era aquilo... Ele era tão quente, tão real...
Quando deixou seu ombro ele seguiu para a mão que agora estava aberta e a beijou, depois a língua passou sobre o corte e ela se sentiu diferente.
Tudo era diferente e ele era o certo, o natural, ela soltou a adaga assim que ele soltou seu pulso e então ela o puxou para si, apertando com força suas costas e quando ela estava em seu pescoço ele parou.

O eco de metal contra rocha era o único som por infinitos segundos, tinha sido como um alarme os despertando do que quer que tinha os enfeitiçado, quando se afastaram ela viu o olhar confuso dele antes que sumisse em névoa e sombras.

Estava sozinha, encarando o vazio para tentar se recuperar, entender, o que tinha acontecido, mas não conseguia, ergueu a mão que tinha cortado e a viu limpa de arranhões e sangue. Pegou a adaga e saiu dali o mais rápido que pode.

As luas eram a única fonte de iluminação do lado de fora, ela seguiu até o caminho de luzes formado até a entrada para convidados, a agada de volta nas dobras do vestido, mas confusão ainda marcando seu rosto e mechas de cabelo soltas provando o contato que tinha tido, errado, o que tinha acontecido era errado e mesmo assim a sensação do senhor negro na pele dela era predominante, como o rastro de um assassino.

Ela entrou sem ser parada, os empregados já reconheciam bem o seu rosto apesar de ela ter pouca familiaridade com os deles, os guardas estavam imóveis e quando transpôs as portas duplas para o grande salão o viu recheado de figuras, escândalo possuía destaque entre as demais, tinha que admitir que a cor tinha lhe caído muito bem, inclusive ela era o centro das atenções de um círculo de nobres jovens, solteiros. Com a visão dela, também tinha encontrado Oldren, o rapaz já indo em sua direção, perguntas no olhar que ela só poderia responder quando estivessem a sós, se conseguisse responder. E mais adiante, no fundo do salão e mais elevados estavam o rei e o senhor negro, o olhar deles se encontraram cruzando todo o comprimento do ambiente, ambos com desconfiança e curiosidades, ambos imaginando que tipo de feitiço o outro teria lançado sobre ele.

- Senhorita.

Oldren se curvou chamando sua atenção, ele já havia chegado a ela e nem tinha percebido sua aproximação, mais uma vez observou o fundo do salão para encontrar o olhar do rei desta vez, ele tinha um grande sorriso lupino no rosto.
Ele sabia, de alguma forma sabia e Elari não podia compreender a satisfação que ele expressava.

- Eu perdi alguma coisa?

Questionou ao amigo.

- Apenas como eu entrei estonteantemente.

Jasti respondeu se aproximando sendo seguida por alguns dos nobres do círculo, ela era como a rainha abelha comandando os operários sedentos por sua atenção.

- Gostaria de me acompanhar em uma dança?

Realmente haviam muitos casais aproveitando o espaço e música antes de o jantar ser servido, Elari se perguntava onde todas aquelas pessoas comeriam, se se sentariam a uma mesa gigantesca ou se o fariam em pé, mas Jasti era quem estendia a mão para Elari e tinha feito aquele convite, jamais esperaria aquilo da escândalo e deveria ainda estar desnorteada pelo que aconteceu mais cedo pois se viu aceitando. Jasti abriu um sorriso gêmeo ao do rei, deveria ser discípula dele, quando a guiou até o centro do salão, os nobres em seu enlace.
Jasti posicionou as mãos, tinham praticado juntas e já estava acostumada com a proximidade porém a loura se inclinou para seu ouvido, a respiração dela em sua pele lembrando da sensação do calor...

- Você e eu seremos o centro desse jantar ridículo. Seremos as joias raras que eles tanto esperam, mas o faremos diferente, faremos com que jamais se esqueçam de Jasti Marest e Elari Varhalarom.

Ao se afastar os olhos dela brilhavam e ela começou a guiar Elari pelo salão com todos abrindo espaço para elas, todos parando para observar as jovens em vermelho e verde flutuarem e brilharem como pedras preciosas, uma música terminou e dançaram por mais outra e outra até que alguém as parou, Elari pensou que seria Oldren a convidando para dançar ou mesmo o senhor que não tinha lhe tirado os olhos, mas foi o rei que as interviu, foi o rei que se curvou e pediu pela mão de Jasti e ela o aceitou.
Elari aproveitou o desvio das atenções e se aproximou da extremidade lateral, viu o rei guiar Jasti como uma flor por apenas uma música enquanto ela comia um pouco dos aperitivos dispostos próximo dela. Oldren estava logo atrás de si com os olhos fixados nos casais que começaram a dançar depois que o rei deixou o centro do salão.

- Você já esteve em algum... jantar assim?

Ele passou a observar e apenas negou com a cabeça.

- Gosta de dançar? - ele não a respondeu então perguntou outra coisa - Sabe dançar?

Ele a olhou como se perguntasse algo óbvio e ela se incomodou com aquilo, com a forma como ele estava agindo com ela, como ele a estava tratando como uma estranha depois de tudo que conversaram.

- Vamos dançar.

Não esperou que ele mexesse a a cabeça mais uma vez e o puxou para o centro enquanto o pegava de surpresa. A expressão dele era hilária e a fez gargalhar enquanto posicionava as mãos dele e depois as próprias.

- Nunca mais deixe de falar comigo. Não me importo se não gosta dos outros, mas fale comigo, o tanto que quiser, mas não deixe de falar.

Ele se inclinou na direção dela e sussurrou.

- Estava apenas assumindo o papel. Agora que deu essa permição se prepare, tenho muito que contar.

Agora ele também sorria e apesar da armadura, ele se movia bem junto com ela.

- Estarei preparada.

Não demorou muito e foram interrompidos, eles se separaram e quem estava na frente deles era ninguém menos que Steve.

Os EternosOnde histórias criam vida. Descubra agora