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Negra acordava de um longo sono.

O gelo derretia e a capital mais uma vez era o centro, o coração pulsante do continente e eles partiriam dali em uma semana, quando o mar estivesse mais seguro, sem grandes pedaços que poderiam destruir o casco do navio, seriam apenas três dias de viagem, mas Elari já sentia as náuseas que a afetariam em alto mar. Dessa vez, Kah Sung iria junto, ele estaria com ela.

Ele, a quem havia prometido sua vida. O Palácio não ficava mais em silêncio, os miren estavam de volta e Craz os fazia correr e treinar o dia inteiro, todos menos Oldren. O ruivo quase tinha perdido o braço, era o terceiro dia dele na ala dos curandeiros e a ferida ainda estava feia, quando o visitava Elari se lembrava do rosto de Gemma, ela, apesar do grande ferimento, não passou mais de um dia distante, logo o rosto mostrava uma cicatriz longa e limpa, cicatriz que tinha diminuído, porém, mostrava que nunca iria deixar de marcar o belo rosto da oficial.

Também era o dia em que Craz iria com alguns guardas fazer uma busca na montanha, por Ginsa, o jovem perdido.
Edone não saia de perto de Elari, nem Kath, a garota se divertia fazendo corte para a irmã mais velha, conversava com Oldren, bem, ela lhe contava histórias e ele permanecia em silêncio, para completar, um dos gêmeos de Kah Sung agora andava com ela, era Jyr, apesar de ela não conseguir ver muita diferença entre ele e Var, ambos eram grandes, silenciosos e tinham aquele olhar opaco e distante. Desde o pedido, Kah Sung ficou mais distante, em reuniões com o rei e com o próprio pai, Talio se mantinha mais quieto e distante, Meliah acompanhava os filhos em algumas caminhadas, mas ainda silenciosa, por mais que as pazes pudessem ter sido feitas, falar entre si era algo a que não estavam acostumadas, podiam ser mãe e filha, mas eram tão próximas quanto estranhos em um bar.

Edone usava uma espada na cintura todos os dias, era a mesma espada que ele ganhou do pai depois de retornar da primeira briga com as crianças na rua, ela era grande demais para ele na época e pesada demais para seus finos braços a levantarem, mesmo com as duas mãos, agora era um artefato que se encaixava perfeitamente com sua figura, mais forte, mais alta. Ele realmente estava saudável e com mais cor no rosto que jamais tivera, mesmo sendo um negro convertido.

E ali estava ela, em frente à um espelho, após acordar no terceiro dia, o sol invadindo o quarto que já não compartilhava com Jasti, não, agora ela era a noiva do senhor negro, os dias passavam rápido e logo seria sua conversão, logo já não veria a si em um reflexo. Ela observou o espelho, os braços que eram seus, o rosto que era seu, os olhos... que não seriam mais. Mas espelhos não mostram tudo, espelhos são mentirosos com a língua doce, dizem o que há por fora, mostram uma expressão suave quando tudo o que há dentro de você é tormenta. Espelhos são falsos.
Então se afastou da visão e chamou por Marjeana, a empregada se aproximou silenciosa, o olhar severo como sempre.

- Pegue minha roupa de treino. - Ela se curvou e saiu - Hoje irei cumprir com minha palavra.

 - Ela se curvou e saiu - Hoje irei cumprir com minha palavra

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Oldren sentia que iria morrer sufocado e com o braço sarado.

Os curandeiros andavam de um lado para outro, a grande maioria era de jovens aprendizes, ser curandeiro não exigia pertencer a alguma cor, apenas ter saúde e os jovens que caminhavam de um lado para outro aparentavam ter bastante vida. Por outro lado, eles não tinham tempo disponível para criar uma vida para eles mesmos, tudo se resumia a cuidar, cuidar dos empregados, dos guardas, dos comerciantes, do rei e do príncipe, agora, dele também, contudo, por mais movimentada que a ala dos curandeiros fosse, o ar era parado e a luz fraca, ele não gostava daquele ambiente, de ficar imóvel como um inútil. Já havia estudado cada rachadura nas paredes, aprendido o nome de cada jovem aprendiz, descoberto para que muitas coisas serviam e percebeu que folhas eram mais importantes que jamais poderia ter imaginado. Elari o visitava, nos três dias que se passaram foi um alívio cada minuto que ela dispensou com ele, ela, futura rainha. Ele sabia bem o que ela já havia planejado pra ele, o olhar dela dizia aquilo, ele não estava muito feliz com a ideia, mas sobreviveria. Além dela, os irmãos eram como sombras a seguindo, Edone Varhalarom estava maior e mais ameaçador que ele lembrava e a jovem irmã havia crescido bastante, como se somente naqueles meses o corpo descobriu a idade em que estava chegando. Somado a todos eles, Ur o visitou todas as noites, logo após ser liberada, junto com os demais, dos treinos excessivos de Craz, apenas Oldren entendia realmente o porquê daquilo. O mestre estava arrasado e ainda enviava machos a procura de Ginsa, ele não esperava perder ninguém.

Mais um suspiro e ele via que havia alcançado seu limite, levantou-se da cama e caminhou até o limite oposto à saída, onde o corredor de leitos acabava em duas passagens, uma era a porta que levava à sala de poções e posterior a ela, os aposentos do curandeiro mestre, a outra, um corredor que terminava em uma redoma de vidro, algumas ervas eram cultivadas ali, próximas ao vidro, porém o centro era livre e ali o sol, ainda fraco com as nuvens densas, irradiava mais intensamente, ele inspirou o ar com cheiro forte de terra e folhas, seus pulmões pareciam se encher daquilo e expandir ainda mais. Até que... tec
Ele abriu os olhos, um relâmpago cortou as nuvens e o trovão estrondo fazendo o vidro tremer.
Tec tec tec
E a chuva caiu sobre a terra com toda sua intensidade.

- Você é Oldren Tewak?

Ele olhou para o corredor, antes de responder fechou os olhos aceitando o destino que Elari havia lhe escrito, ela havia sido quem sua irmã decidiu salvar, uma vida por outra, se a vida de sua irmã, seu mundo, havia sido dada a ela, tinha um motivo e se os deuses realmente existiam, aquele era o sinal. Mas deuses não existiam e dizer que eles tinham armado aquilo era querer jogar a responsabilidade para outros, ele era Oldren Tewak e ele fazia seu destino, então abriu os olhos para o Senhor Negro.

- Sim.

Gemma virou-se da janela onde a vista havia ficado obscura com a chuva o interior havia escurecido pois ela não tinha se preocupado em levar nenhuma vela, aquele era o quarto que lhe fora entregue, não gostava muito dele, era muito grande e ilumin...

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Gemma virou-se da janela onde a vista havia ficado obscura com a chuva o interior havia escurecido pois ela não tinha se preocupado em levar nenhuma vela, aquele era o quarto que lhe fora entregue, não gostava muito dele, era muito grande e iluminado, Gemma nascera para as sombras, por isso dificilmente se preocupava em carregar uma vela, não para si, ao menos. Ali, se frente para ela estava o irmão de Elari, os olhos brilhavam com intensidade, os dela estariam parecidos, porém, vermelhos. Ela manteve os braços cruzados, sentia a necessidade de impor uma barreira entre eles mesmo que fosse mais forte.
Ele observava a irmã caçula, Erkath, lendo um livro, enquanto ele mesmo tinha um nas mãos, aberto, porém na mesma página à horas, ela sabia que a mente dele devia estar um turbilhão de pensamentos desorganizados, o olhar dele dizia aquilo.
A invasão havia sido orquestrada pela garota, ela tinha insistido em conhecer o quarto dela e ali se instalou, não que o aposento realmente lhe pertencesse, era um cômodo para oficiais do exército e ela estava em missão, apenas o rei e o senhor negro podiam questionar ordens do general e nenhum deles o fez, então ali estava ela, oficialmente, mas parecia que havia saído para aproveitar a própria vida. De qualquer maneira, ter os dois ali era um tanto desconcertante, ainda mais com o olhar do rapaz sobre as armaduras jogadas, o baú com peças de roupa saindo como línguas por sua fissura, a cama desordenada, a mesa com livros abertos e papéis jogados, o vidro de tinta ainda virado e já com a camada preta já seca e incrustada na madeira desde o dia em que discutira com Cassien e topou na mesa na escuridão. Um dia ruim e a lembrança estava ali, intocada.
Alguém pigarreou e ela olhou em direção à garota, ela tinha fechado o livro e estava de pé.

- Quero que me ensinem a lutar.

- Não.

Foi tudo que Edone disse antes de se levantar fechando o próprio livro.

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