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O corpo inteiro de Elari estava dolorido.

Não era como as dores após de um treinamento, mas as que vinham com doenças, como gelo escorrendo pela pele, a água ainda quente era um milagre para a jovem que ainda tinha a mente distante do corpo, ainda naquela sala de música a frente do piano. Ela não reparou quando Marjeana entrou após longas horas, quando a água já estava com o frio da morte, e começou a trabalhar em seu cabelo, ela não se importou com o leve roçar gélido dos dedos da criada, nem escutou a música que ela cantarolava, em um raro humor alegre.
A noite já recobria e escurecia Negra, as lâmpadas e tochas do Palácio já estavam acesas, Elari vestiu a roupa que Marjeana lhe entregou, tentando afastar os pensamentos, os secar como a água que tinha estado em seu corpo e por fim reparou que estava usando um vestido.
Haviam semanas que não colocava um e a sensação era estranha, a roupa era simples, a saia longa na cor branca e o corpete cinza. A criada exibiu um sorriso para Elari enquanto trançava os cabelos dela e os prendiam em uma fita verde. Ela finalmente percebeu a estranheza daquele humor.

- Aconteceu alguma coisa?

A gorgan piscou e tentou disfarçar.

- Nada. Apenas estou a arrumando para o jantar.

Elari não escondeu a careta, nas últimas semanas tinha jantado usando calças e botas e mais uma nova versão da blusa larga que tinha passado a ter o tamanho certo uma semana antes, a certeza de que algo havia acontecido fez Elari duvidar de Marjeana.

- Sabe, quando eu era jovem sonhei em ser hetar. - Realmente, aquele não era um dia comum - Mas o espiritualista me disse que eu seria gorgan, todos os meus sonhos foram destruídos pelas palavras dele, então pensei em partir, ir para o deserto e esperar por minha morte, sei que muitos fazem isso, que não veem outra escolha, mas alguém me salvou e graças a essa pessoa ganhei novos sonhos.

- Por que está me contando isso?

Ela ainda não conseguia entender, sabia que Marjeana era altamente funcional e prática, com um orgulho difícil de se ver entre os gorgan, se ela estava contando aquilo, tinha um fundamento, uma finalidade e Elari precisava saber.
A criada soltou os cabelos da jovem e caminhou até ficar de frente para ela, tinham praticamente a mesma altura. Elari percebeu que aquela era a primeira vez que via a criada tão de perto, podia ver como ela era jovem, que tinha um único dente torto, que possuía bolsas debaixo dos olhos e que ela tinha um sinal mínimo no canto de um olho.

- Eu já vi muito de você, Elari. - era a primeira vez que ela ousava a chamar apenas pelo nome - Sei que também se viu vazia, eu sinto isso. Que somos um pouco iguais. - Ela colocou as duas mãos nas laterais do rosto dela. - Você também encontrará um novo sonho, alguém irá salva-la.

O sorriso que ela abriu fez com que Elari realmente sentisse aquele vazio, sem tentar o cobrir com a ilusão de que Kath era seu sonho, aquela sensação era arrasadora, a falta de um motivo para viver, a falta de algo com que sonhar. Uma lágrima quente escorreu por sua face e foi aparada por um dos dedos frios de Marjeana.

- Aproveite para chorar enquanto ainda não fiz sua maquiagem.

A sombra de um sorriso brincou no rosto de Elari e pela primeira vez ela deixou que alguém a visse, o quão mal ela realmente estava por tanta coisa, por sua total falta de um norte na vida, por saudades de Kath, pela traição que sentia de Edone, pela solidão que Steve lhe deixou, pela culpa pelo que tinha feito com Jasti e pela confusão que sua mente e seu coração enfrentavam.
Nos braços de Marjeana ela chorou.

Nos braços de Marjeana ela chorou

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