Quando abriu os olhos viu o mundo girar e manchas escuras turvarem a visão, apenas após vários segundos pode ver com clareza a grande e distante cúpula que se fechava acima, apenas a tentativa de sentar fez tudo rodar e dançar mais uma vez.
- Fique deitada. Ainda não se recuperou totalmente.
Mãos leves a colocaram de volta e Elari viu Marjeana a olhar com carinho, mas não tinha sido ela quem falara.
- Seu corte na perna foi reaberto e aumentado, perdeu muito sangue antes de chegar aqui.
O banheiro e Marjeana saindo às pressas com a parte inferior do rosto coberta lhe recorreu.
- Vou ficar de olho em você por mais essa noite, amanhã voltará para o quarto. E nada de atividades físicas.
Elari riu com escárnio, aquilo não precisava ser dito a ela.
Bom, ao menos teria mais uma noite de folga da escandalosa. O curandeiro se aproximou e colocou um frasco na mesinha ao lado da cama.- Dê isso a ela a cada duas horas por hoje, duas colheres. Quando acabar me avise. - O velho olhar caiu sobre Elari - Estamos nos vendo muitas vezes jovem, nem mesmo os homens da guarda me visitam com tanta frequência.
Sua cara também não é a minha preferida, ela pensou, mas ficou calada, a garganta estava áspera.
- A dê água antes, a partir de agora.
Marjeana obedeceu e ajudou Elari a sentar e beber e tomar aquele líquido escuro e grosso. Lhe deu comida e arrumava a cama direto. Não havia muito para a própria Elari fazer já que, mesmo sendo sua perna a injuriada, Marjeana não permitia que ela levantasse o lençol para se mover.
Durante aquelas longas horas com absolutamente nada para fazer ela pensou.
Pensou em como sua vida estava sendo ali, como todos os seus anseios tinham sido deixados de lado. Tudo que sempre quis foi deixar Tesme e viver os meses que lhe restassem livre como humana, mas tinha deixado tudo isso de lado pela única chance de ver Erkath novamente, de sentir o calor dela e justamente por conta daquelas palavras de Steve, "nem todos são frios", se existia algum negro quente, ela queria encontrar, porque talvez existindo um quente, nem todos fossem monstros afinal.Mas agora, qual era o seu propósito? Esperar por Kath? Sentir o calor de um negro?
Seu espírito parecia tão vazio, tudo aquilo era tão fraco que a vida parecia não ter sentido. Para que existir ou lutar se mesmo o seu desejo mais forte passava a fraquejar?
Precisava de algo, precisava de um objetivo.
Mas tudo em que podia pensar era em Kath... e no estranho calor que emanava daquele senhor.
A vida de Steve não poderia estar mais complicada. Tudo estava desabando, sendo pisoteado e queimado.
Não tinha conseguido ir ver Elari mesmo quando soube que ela tinha acordado e agora já faziam três dias, não tinha ido por vergonha de si, por ter falhado com o único pedido que ela o fizera. O rei..O rei estava com seus olhos nela e nem mesmo a ambiciosa Jasti Marest conseguia o fazer desviar a atenção do poder que Elari podia acrescentar ao Reino, sozinha ela não seria forte e perderia qualquer serventia para os planos daquele macho, mas com Kah Sung... com eles compartilhando o laço de sangue, ele se tornaria ainda mais forte e ela também, juntos seriam puro poder, o mais poderoso príncipe em séculos e a primeira semi-roxa em séculos. Como... como aquilo era possível? A visão das labaredas espirituais ainda o aterrorizavam. Ela era filha de uma salyu e um miren, não deveria ser mais que o pai era, mas... ela era, de algum jeito. Tanta coisa seria diferente se ela fosse salyu, ele teria conseguido sua mão, teria... ela se destruiria por dentro e se fosse miren a família paterna jamais a deixaria em paz, mas... gorgan...
Não.
Não adiantava se remoer com ideias impossíveis. E o preço para que duas cores diferentes vivessem juntas era muito alto.Ele precisava ajuda-la, porém o rei...
Seu pensamento foi interrompido por três batidas na porta. Cassien o cumprimentou.
- Senhor, o capitão da guarda solicita sua presença.
Steve acenou o dispensando. Ao que sabia, Edgar não costumava estar sóbrio para solicitar qualquer coisa, não desde que Steve havia sido enviado ao Palácio.
Colocou a armadura e seguiu para a ala da guarnição, onde ficava o escritório do capitão.
Os pensamentos ainda assombrados pela expressão do rei ao dizer que Elari...- Bem e armado como sempre!
Edgar Molaydov realmente estava lúcido enquanto sentado na cadeira.
- Vi que cuidou bem de meus soldados durante minha ausência.
A gargalhada que aquele macho dava sempre era relaxada demais.
- Não posso dizer o mesmo de sua reputação.
Ele se recostou na cadeira.
- O que eu podia fazer? Minha mulher me deixou.
- Nenhuma fêmea jamais o aguentou por tempo o suficiente para formarem um laço, já devia estar acostumado.
Cassien, que estava ali ao lado do capitão comentou, Edgar nem o olhou ao responder:
- Até mesmo sua mãe desistiu de mim!
Sóbrio. Lúcido, talvez não.
Mais uma gargalhada sem humor.
Cassien sequer reagiu ao comentário.- Qual a finalidade de minha vinda aqui?
Steve não havia se sentado em nenhum momento, estava com pressa para voltar ao quarto e buscar saídas, formas de tentar tornar Marest mais interessante para o rei.
O rosto de Edgar se tornou sério e ali estava o macho que se tornou capitão.- O rei informou que estará retornando a Incantalar em breve e solicitou um jantar de despedida, precisamos nos preparar para adaptar a segurança e você, meu jovem general, terá que voltar com o rei.
Mais merda no monte de estrume de Steve.
- Por que você está me comunicando isso?
Ele não tinha tempo ou humor para se importar com o que Edgar acharia daquela pergunta ou daquele tom.
Se importava para o capitão, ele não expressou.- Apenas sigo ordens, general. E foi essa a ordem: Quero um jantar de despedida em uma semana, informe ao Norttal que ele irá comigo.
Edgar engrossou a voz ao dizer as palavras exatas, iguais aos que o rei certamente diria, diretas e secas.
Steve apoiou a mão sobre o punho da espada presa ao seu cinto.- Se já disse tudo...
- Ainda não, rapaz.
Ele viu que quem falaria era Edgar para Steve, sem nenhum título adornando as palavras seguintes.
Edgar se levantou e espalmou as duas mãos na mesa, Cassien o olhou de esguelha, eles eram os únicos ali e o jovem oficial não diria uma palavra sobre o que o capitão diria ao general quando eles não usassem títulos, a ninguém.- Não sei o que você fez para chamar a atenção daquele homem, mas vou lhe dar um conselho. Tome cuidado com cada respiração que der ao lado dele, pode não ter mais o poder de antes, mas ainda é brutal mesmo sem usar uma gota, para qualquer um. O príncipe não é nem de perto parecido com ele.
Steve acenou, e ali acabava um dos raros momentos de seriedade do capitão da guarda.
Um último cumprimento foi dado antes de ele voltar ao corredor.
Edgar estava certo. Ele teria que tomar cuidado, o rei jamais colocava alguém ao seu lado sem um propósito e os que ficavam por muito tempo mudavam.
Se ele tinha decidido leva-lo consigo devia ter um motivo.
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Os Eternos
FantasyO que fazer quando seu destino é se tornar aquilo que mais teme? A vida de Elari é regida pelo medo, medo dos seus iguais, dos vizinhos, dos irmãos e parentes e, temendo seu destino cruel de se tornar um deles, um monstro, ela se vê dividida entre d...