A noite não foi boa. A mão latejava e parecia que seu coração ia explodir. Além disso a luz da lua menor com a maior que invadia o quarto pela janela deixava tudo claro demais, azul demais.
Sua mão ardia tanto que pensou que o corte havia aberto de novo, depois de dois frascos de tônico, chegou a desenfaixar apenas para averiguar o estado que era, na verdade, muito bom.
Parecia que o dia nunca chegaria e engoliu em seco tantas vezes que ficou com sede.
Sabia que era tolice ficar com medo porque as luas brilhavam azuis, mas não podia evitar quando estava mais só que jamais estivera.
Quando criou coragem para se levantar da cama e ir atrás da jarra com água tropeçou nos próprios pés. No chão, xingou baixinho, como se alguém na escuridão pudesse escutar. Se levantou e foi até a mesa, pegou a jarra e... maldição. Ela estava seca. Com tanta gente ali durante a tarde é claro que a água acabaria mais rápido. Explorar o Palácio no escuro era inconcebível, chamar alguém durante a noite ainda mais. Por isso desistiu e voltou para a cama, no caminho quase tropeçou de novo. Quando olhou para baixo viu uma bandeja com um pesado copo de pedra em cima, o pegou e viu que tinha água. Como aquilo tinha ido parar ali?Ela deu um salto para a cama, pulando como um gato assustado. Se aquilo estava ali, com certeza alguém levou e se não estava ali durante a tarde, tinham levado agora. Ninguém entrou no quarto. Em baixos sussurros orou a Koron, o Deus da proteção, colheita e vida. Pediu que ele afastasse quaisquer sombras que estivessem ali. Com olhos fechados e de tanto orar acabou dormindo. Quando acordou, com a garganta doendo e a boca seca, o copo estava no mesmo lugar.
- Bom dia, senhorita.
Ela quase gritou de susto. Uma mulher estava ao lado de sua cama, carregava uma bandeja com frutas, pão, água e vinho. O sorriso que tinha no rosto era perfeito e branco, ela tinha diversas sardas no rosto e um nariz pequeno e reto, os olhos eram dourados como o sol e os cabelos como raios deles, finos e rebeldes.
Suas vestes eram quase tão simples quanto as de qualquer outro empregado, mas as dela eram limpas e novas, com mais cor.
Ela colocou a bandeja sobre o criado mudo ao lado da cama depois se virou para Elari, ainda sorrindo.- Seu desjejum está servido. Deseja algo mais?
Elari ainda se recuperava do susto e do medo que aquele copo de pedra causava.
- O que aconteceu com a outra?
Ela pensou na garota magra e calada de mãos leves e ágeis. A empregada ficou séria, mas sem parecer irritada.
- Yind? Eu fui designada para a senhorita agora. Ela voltará a ser lavadeira, cuidará de suas roupas.
- Por quê?
Mudanças súbitas demais não eram bem aceitas por Elari, ela as odiava. Chegavam de mansinho e Puff. Tudo tinha mudado e ela sequer sabia como encarar aquilo.
- A senhorita é uma Hetar...
- Já sabiam disso antes.
Ela tentou falar sem ser grosseira, mas acabou saindo assim. A empregada fechou a boca em uma linha fina, Elari quase se arrependeu, mas não iria dar para trás e parecer fraca.
Máscaras. Poderia continuar a usar uma depois de tantos anos lidando com tantos monstros.- Perdão, senhorita, mas ninguém é aceito como o que diz ser até que seja provado. Nesse mesmo ano uma garota disse ser miren sem o ser.
Aquela história de novo. Que seja!
Elari se sentou direito.- É por isso que a palavra está perdendo valor. - Uma verdade. No passado uma promessa bastava para firmar um acordo, agora sangue e documentos eram usados. - Qual o seu nome?
A empregada ficou surpresa com a mudança de tom e assunto de Elari, chegou a mudar o peso de uma perna para a outra e a juntar as mãos. Elari a deixava nervosa por algum motivo misterioso que agora a fazia querer descobrir, poderia ser bom, se visse mais ficando nervosos por causa dela talvez se sentisse superior a eles e aquele medo acabasse. Precisava que acabasse se fosse continuar ali.
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Os Eternos
FantasyO que fazer quando seu destino é se tornar aquilo que mais teme? A vida de Elari é regida pelo medo, medo dos seus iguais, dos vizinhos, dos irmãos e parentes e, temendo seu destino cruel de se tornar um deles, um monstro, ela se vê dividida entre d...