Capítulo 1

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𝒐𝒎𝒊𝒏𝒈𝒐, 5 𝒅𝒆 𝒂𝒃𝒓𝒊𝒍.

Q̲u̲e̲r̲i̲d̲o̲ ̲d̲i̲á̲r̲i̲o̲.̲

Hoje faz dois anos que o papai morreu, mas parece que foi ontem. Eu poderia gritar, xingar todo mundo, mas simplesmente não consigo; parece que estou sem voz.

Todos dizem que é besteira... bem, até porque todos seguiram com as suas vidas, isso inclui a mamãe. Eu odeio ter que pensar que outro vai assumir o lugar de você, pai, mas não posso fazer nada.

Eu não posso ser tão egoísta, não é? Ela tem que viver a vida dela, mas isso machuca muito, pai, porque eu sei que ninguém vai me tratar como você tratava.

Eu não conheço bem o Henry, na verdade, nós não conhecemos nada dele e a mamãe já quer se mudar. O que eu posso dizer?

Não estava nos meus planos mamãe se apaixonar tão rápido.

— Dy, querida, já vamos.

Minha mãe era uma mulher alta, com uma beleza encantadora que chamava atenção por onde passava. Seus olhos verdes brilhavam com uma luz própria, e seus longos cabelos castanhos desciam em cascata pelas curvas acentuadas de seu corpo, que mesmo com a simplicidade de suas vestes, não deixavam de ser notadas. Eu, por outro lado, puxei meu pai, com uma aparência mais discreta e reservada.

Não que eu esteja reclamando...meu pai também era um homem charmoso, de certa forma.

Pelo que eu sei, ela e meu pai se conheceram na igreja. Sim, eu sei, parece estranho, mas a história deles é até bonita. Mamãe, antes uma mulher da vida, encontrou no jovem pastor uma razão para mudar. E podemos dizer que foi amor à primeira vista. E pensar que mamãe seguiu a vida em tão pouco tempo...

— Estou indo.

Grito de volta para ela.

Fecho o diário, descendo as escadas as pressas. Essa casa é umas das memórias mais felizes da minha infância, um lugar que eu sempre chamei de meu.

— Vem me ajudar, leve isso para o caminhão.

Mamãe me estende uma caixa, depois outra. Meus braços tremem levemente sob o peso, não apenas físico, mas emocional. Eu ofereço um sorriso, mas a minha mãe estava tão ocupada pra retribuir.

Quando o relógio aponta quase cinco, a mudança está completa. Sentada no carro, estou cercada por tudo o que restou da nossa antiga vida, pronta para ser transportada para um novo começo.

Um novo começo que eu não queria fazer parte.

Eu coloquei o meu fone nos ouvidos, ignorando o mundo ao meu redor, não é como se tivesse algo bom que me prendesse neste mundo.

Eu só queria sumir, pai.

— Em que você tanto pensa? - minha mãe estava com as mãos no volante quando se virou para mim.

Dou um sorriso forçado, passando as mãos pelos cabelos num gesto nervoso.

— Estou pensando na nossa nova vida?

— Isso foi uma pergunta?

Seu olhar é penetrante, e eu desvio o meu, sentindo o peso de sua preocupação.

— Querida, eu sei que as coisas…

Eu não estava pronta para mais uma conversa. Era a mesma coisa, as mesmas palavras. Nada do que ela disser trará meu pai de volta.

Será que a vida é assim para todos? Por que sinto que carrego o mundo nas costas?

— Tudo bem, mãe. Você sabe o que está fazendo.

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