Capítulo 2

13K 788 185
                                    

Sexta feira, 12 de abril.

Já havia se passado uma semana nessa casa. Para minha mãe, tudo era normal, e para mim, tudo era um inferno.

Eu não mencionei nada com a minha mãe, e mesmo que eu mencionasse, acho que as chances seriam poucas de ela me ouvir. Ela parece estar completamente hipnotizada pelo senhor William.

Olhando para ela e para o Henry, eu me pergunto se um dia ela já amou verdadeiramente o meu pai.

Porque eu sei, ela sabe que se ela fosse um pouco mais gentil, desse um pouco mais de amor para ele, isso não teria acontecido.

Ou talvez tivesse acontecido, mas no fundo, eu acredito que o meu pai teria morrido mais feliz do que morreu.

Desculpa por não ter te protegido, pai.

— Então é aqui que se encontra a Cinderela?

Surpreso, dou um pulo ao perceber a presença do meu padrasto no quarto. Com a minha mãe já tendo saído para trabalhar, eu não esperava encontrá-lo ali. Eu me sinto desconfortável com a presença dele, e minha mente imediatamente começa a especular sobre suas intenções.

Respiro fundo, tentando controlar a ansiedade e o nervosismo que se apoderam de mim nesse momento.

— Quer alguma coisa? - pergunto, ajeitando o vestido que eu estava usando.

— Vá para a cozinha. - meu padrasto gritou.

— Fazer o quê?

Perguntei, me levantando da cama, indo até o penteadeira e guardando o diário.

— Como assim, fazer o quê? Cozinha, sua idiota. Você está aqui para quê?

Vejo seu semblante no espelho, seus cabelos desarrumados, camisa branca suja de sei lá o quê. Não demorou muito antes do falso homem educado e gentil desaparecer.

Eu estou tentando proteger a mamãe, mas é quase impossível. Ela não entende, ela não quer escutar.

O amor nos torna cegos, mas por que com o papai ela não era assim? Por que ela não poderia ser uma boa esposa como está sendo com o Henry?

O papai merecia o amor dela, o senhor William não a trata do jeito que ela merece.

Eu não aguento mais, Deus.

— Você é surda, caramba? - ele gritou alto me fazendo voltar a si.

— Estou indo.

Me apreço em sair do quarto indo para cozinha, suja. Eu acabei de limpar e já estava suja assim?

— Olhar para mim - ele pegou em meu queixo, me forçando a olhar para ele - eu vou dormir, se eu ouvir um piu de você...

— Eu sei, não vai ter barulho - sussurrei, tentando segurar as lágrimas que rolavam pelo meu rosto.

— Não quero choradeira, entendeu? - ele apertou ainda mais meu queixo, causando dor.

— Entendi - respondi com a voz trêmula, lutando para controlar as  minhas lágrimas.

Ele soltou meu queixo bruscamente e virou as costas, indo em direção ao quarto.

Suspiro aliviada, passando a mão no rosto.

Sem barulho, não posso fazer barulho. Repetia isso enquanto caminhava nas pontas dos dedos pra ir até o fogão.

Decidi preparar uma coisa simples: espaguete com molho de tomate. Liguei o fogão e coloquei uma panela sobre ele, ansiosa para começar a cozinhar e voltar para o quarto.

— Maldição - xingei baixinho, vendo o espaguete no armário de cima.

Desesperada, tentei puxar, mas estava muito alto. Amaldiçoando o Henry, comecei a pensar em uma solução. Foi então que me lembrei das cadeiras da mesa de jantar.

Peguei uma cadeira e subi nela, tentando alcançar o armário. Eu estava tão focada em resolver o problema que não percebi a presença de alguém atrás de mim.

— O que está fazendo? – gritou atrás de mim.

Assustada, me virei e deparei-me com o Henry.

Com medo, tentei explicar a situação para ele, explicando como o espaguete estava no armário e eu só estava tentando alcança-la.

Mas antes que eu pudesse terminar, o velho deu um riso divertido e pegou um negócio da pia. Era o detergente líquido.

Pra quê ele estava pegando isso?

— Juro que não vou mais fazer barulho.

Em poucos segundos, ele colocou o negócio grudento na cadeira, fazendo com que os meus pés escorregaram. A dor se espalhou por todo o meu joelho quando perdi o equilíbrio e caí furiosamente, batendo o joelho com força.

As lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto enquanto eu segurava o joelho dolorido. O meu padrasto se abaixou ao meu lado, com um sorriso assustador nos lábios.

— Daysha, Daysha. O que eu te disse?

As lágrimas rolavam pelo meu rosto sem controle enquanto segurava o joelho machucado.

— Levante - ele ordenou.

Eu tentei me levantar, mas acabo caindo de volta no chão segurando com cuidado o meu joelho.

— Eu vou te espancar até a morte se não levantar - gritou tirando o sinto.

Eu tremi ao ouvir sua voz autoritária, mas me forcei a obedecer. Com muito esforço, me levantei, apoiando-me na parede ao meu lado. A dor no joelho era insuportável, mas eu sabia que desobedecer o Henry só pioraria as coisas.

Desde que cheguei aqui o Henry  sempre tivera um olhar intimidador, mas naquele momento, seu sorriso inexplicável me deixava apavorada.

— Você tem que ter cuidado, querida. Na próxima pode ser pior - ele disse com um tom ameaçador.

As palavras ecoaram em minha cabeça, enquanto eu tentava entender o que ele queria dizer com aquilo.

— Seja mais atenta, Dy. - ele repetiu, sua voz ainda mais fria.

Senti um calafrio percorrer minha espinha e meu coração acelerou. Minha intuição dizia que aquele sorriso sinistro anunciava algo muito pior do que apenas um sermão.

— Desculpa, isso não vai mais acontecer - murmurei com a voz trêmula.

Seus olhos se estreitaram, deixando claro que minha pergunta não era bem-vinda. Ele se aproximou de mim, sua presença opressora se fazendo ainda mais presente.

— Vou deixa passar dessa vez - sua voz era tão baixa que mal pude ouvir. - Apenas obedeça e na próxima não acontecerá nada.

Eu sentia os pelos do meu corpo se arrepiarem e minha pele formigava em alerta. Sabia que não podia deixar minha mãe com esse homem. Por mais medo que eu sentisse, eu precisava protegê-la.

É isso que o papai gostaria.

— E se minha mãe souber, hein? - perguntei, com toda a coragem que consegui reunir. - até quanto duraria essa coragem?

Ele soltou uma risada sem humor, como se minha audácia o divertisse.

— Ainda não aprendeu, não é? - ele disse, se aproximando ainda mais de mim.

Eu engoli em seco, prendendo o ar. Não estou com medo, não estou com medo.

— A sua mãe é só uma marionete em minhas mãos. Ela vai dançar conforme a música que eu tocar.


Intenções Perversas Onde histórias criam vida. Descubra agora