Capítulo 5

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— Então, quem pode responder essa pergunta ? — a voz do professor corta o murmúrio da sala.

Metade dos alunos estava distraída, os olhares fixos em Treves, que, como de costume, escolheu o assento ao meu lado. Era segunda-feira e nas segundas temos as mesmas aulas, e ele parecia ter um prazer sádico em me atormentar.

Ele sabia que era o centro das atenções e gostava disso. As meninas, normalmente tão cheias de si, perdiam toda a compostura olhando para ele a aula inteira.

Respiro fundo, sentindo uma pontada de relutância, e levanto a mão.

— Itália, 1980 — minha voz soa firme, apesar da irritação que eu estava sentindo.

— A única que veio aqui para estudar — o professor me lança um sorriso de aprovação antes de se virar para o quadro negro, onde ele começou a escrever.

Minha concentração é quebrada quando sinto a caneta ser arrancada de minhas mãos. Treves, com um caderno surpreendentemente em mãos, começa a rabiscar uma coisa qualquer.

Surpresa por ele portar um caderno. Eu achava que ele só trazia cigarros para escola.

— É minha — tentando não chamar a atenção das meninas que, por um milagre, parecem absortas em suas anotações.

Ele levanta a cabeça abruptamente, seus olhos cravados nos meus. Com apenas um olhar, eu sabia que ele estava bravo.

— O que foi? — ele questiona, um sorriso forçado distorcendo seus lábios quase rosados. Ergo uma sobrancelha em resposta. — É algum método seu para seduzir todos os homens nesse inferno?

— Do que você está falando? — retruco, buscando entender até onde ele levaria suas provocações.

— Ah, não sei — ele faz uma careta teatral e apoia o queixo entre as mãos. — Me diz você, pastorinha.

Ele perdeu o juízo de vez. Estou seduzindo alguém e nem mesmo sei disso?

Como se não bastassem meus problemas, agora tenho que lidar com isso. Por que esse garoto tem que ser tão perverso?

Não entendo o que eu fiz de errado pra ele querer tanto me atormentar. Até parece que eu roubei algo dele.

— Não faço ideia do que está falando, e prefiro continuar sem saber. Fique com a caneta — digo, desviando o olhar e pegando outra caneta do meu estojo.

— Olha, eu não me importo com quem você tenta enfeitiçar, mas deixe o Nico fora disso — ele sussurrou e deu aquele maldito sorriso e se levanta, inclinando-se sobre mim provocativamente.

Olho ao redor e, como num passe de mágica, as meninas já estão com os olhos fixos em mim. Mesmo que não estejam dizendo nada, sei que assim que eu sair daqui, estarei morta. E também sei que Treves fez isso de propósito.

Ele queria que eu fosse o centro das atenções. Porque ele sabe que as meninas vão me atormenta no lugar dele.

— Você pode enganar todos, mas não a mim, pastorinha. Esse joguinho de boa moça é apenas um pretexto para levantar as saias — ele diz, levantando-se abruptamente e jogando a caneta na mesa, quase acertando meu rosto.

— Onde está indo, Sr. Campbell? — o professor questiona, parando com as anotações no quadro.

Agora todos os olhares estão fixos no idiota.

Treves ignora o professor e sai da sala, sem dizer uma palavra. O professor balançou a cabeça negativamente e continuou a escrever no quadro.

— Do que ele está falando? — viro a cabeça e olho para Beth, minha amiga sentada na cadeira atrás de mim.

Seus olhos vagam pela sala e param em mim, com as sobrancelhas erguidas em questionamento.

Beth Jones é minha parceira desde a quinta série, e mesmo sendo totalmente diferentes, somos amigas. Como posso dizer? Beth é uma garota aventureira que faz o que quer, onde e na hora que quer.

Ela poderia ter todos na escola como amigos, mas escolheu ser minha amiga. E, a única neste colégio com zero interesse em Treves.

— Eu não sei. Só sei que ele está ficando louco.

— Diz isso para as garotas agora. Elas vão te matar.

...

A hora do almoço chegou, e eu me encontrei no meu lugar de costume: a biblioteca.

Para mim, é mais que um refúgio, é um pedaço de paz. Ultimamente, a ideia de voltar para casa tem sido menos acolhedora do que deveria. A ideia de olhar para Henry me fazia querer sumir.

Olhei para os livros espalhados na mesa e suspirei, passando as mãos pelos cabelos para afastar os fios que insistiam em cair sobre a minha testa.

Por que a vida complica tanto? Não poderiam ser mais fácil?

Há dois anos, eu teria voltado para casa com um sorriso, sabendo que alguém me esperava.

— As coisas mudam, as pessoas mudam. Mas por que nós mudamos? — Eu questionei em voz baixa, mais para mim do que para qualquer outra pessoa.

Meu olhar percorreu a sala, encontrando apenas a solidão. Era um silêncio reconfortante, mas ao mesmo tempo, um vazio que ressoava. Eu não desejaria essa solidão a ninguém, nem mesmo ao meu pior inimigo.

Eu tenho a Beth, mas eu não quero envolvê-la nessa solidão e tristeza. Quero que ela aproveite a vida dela, de preferência longe de mim. Não quero que ela seja consumida pela  minha depressão ou que lute contra demônios mentais que nem mesmo eu consigo enfrentar. Não quero de jeito algum deixá-la ver esse meu lado.

Não quero que ela tenha pena de mim.

Eu não quero ter que dizer as mesmas palavras, não quero ter que insistir que estou bem, porque isso é chato. Não estou bem e não sei como fazer para diminuir essa dor que me consome.

Porque isso dói, dói de uma maneira que foge do meu controle

— Se eu desaparecesse, alguém notaria? Minha mãe sentiria minha falta? — Eu pensei, com uma ponta de tristeza.

Balancei a cabeça, afastando esses pensamentos sombrios.

A morte é uma escolha, mas são poucos os que têm a coragem de encará-la.

— O que você está fazendo aqui sozinha, menina? — A voz da Sra. White me trouxe de volta à realidade.

Ela é uma senhora amável que trabalha na biblioteca, uma das poucas que nunca me julgou ou se afastou de mim.

— Estou lendo — eu disse, mostrando-lhe a capa do livro.

Ela assentiu e sentou-se ao meu lado.

— Você é jovem... — ela começou, com um tom de quem iria tentar me convencer a me misturar com os outros  — e a juventude é algo que passa rápido. Viva sua vida, beije muitas bocas... Você não precisa se sentir presa aqui.

Ela terminou com um toque gentil na minha coxa, e eu sorri discretamente.

— Eu... Na verdade, eu gosto de estar aqui...

— Eu sei que você gosta — ela disse, olhando ao redor da sala— mas olha ao redor — olhei como ela disse e sorri sem mostrar os dentes. Era um jeito de dizer que estou bem pra ela. Mas não estava bem —a solidão pode ser um inimigo muito forte.

— Às vezes a solidão é a única companhia que nós resta.— eu murmurei, baixo.

Ela sorriu  e se levantou.

— Está bem, você é muito teimosa... fique aqui, se é o que deseja. — ela disse, apertando minha bochecha e eu ri — mas não esqueça o que eu disse. A juventude é um presente, mas não dura pra sempre. Se precisar de algo, estou aqui.






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