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— Como assim, Rio de Janeiro, Clara Maria? — a voz da minha mãe irrompeu no quarto, carregada de surpresa e preocupação. Ela se apoiava no batente da porta, os braços cruzados, os olhos ligeiramente arregalados, como se eu tivesse acabado de dizer que estava indo para a lua.

Eu, por outro lado, estava curvada sobre a cama, concentrada em dobrar cuidadosamente minhas roupas antes de colocá-las na mala. Tinha tanta coisa passando pela minha cabeça naquele momento: os dias de inferno no hospital, a formatura se aproximando, e agora essa viagem para o Rock in Rio. Eu sabia que a avalanche de perguntas viria mais cedo ou mais tarde, e não seria fácil escapar das investigações maternas.

— Desde quando essa viagem está programada? — ela insistiu, avançando um pouco para dentro do quarto, sem tirar os olhos de mim.

Seu tom não era só de curiosidade, mas também de uma pitada de desaprovação.

Respirei fundo, me preparando para o interrogatório que estava prestes a começar. Eu não contei para ninguém ainda, muito menos para ela, que sempre gostava de estar por dentro de todos os detalhes da minha vida.

— Mãe, agora não dá para discutir isso. — respondi, ainda com a cabeça baixa, colocando mais uma peça de roupa na mala. — Eu já deveria ter feito isso há muito tempo.

Ela arqueou uma sobrancelha, claramente insatisfeita com a falta de detalhes.

— Você não vai me responder? — ela pressionou, sua voz ficando um pouco mais aguda. — Seu pai por acaso sabe disso?

Eu sabia que isso viria. A menção ao meu pai sempre surgia quando ela sentia que não estava recebendo as informações que queria.

Para ela, se eu não contava para ela, teria provavelmente contado para ele, o que só aumentava sua sensação de ser deixada de fora.

— Tanto quanto você. — retruquei com um suspiro, tentando não parecer irritada. — Agora, será que dá para me deixar terminar aqui? Eu realmente preciso focar nisso, mãe. Depois daqueles dias horríveis no hospital e a minha formatura, que também está chegando, não tive tempo para pensar em mais nada.

Ela se aproximou mais, os braços ainda cruzados, mas agora havia uma preocupação sincera em seus olhos. Seu instinto protetor começava a se manifestar.

— E o Piquerez? — perguntou, sua voz tingida de curiosidade, mas também com um leve tom de desconfiança. — Ele sabe disso? Vocês sempre contam tudo um para o outro... — ela perguntou e eu neguei com a cabeça. — Você vai viajar sem ele saber? Isso tá certo?

Ela me olhava como se já estivesse imaginando uma longa conversa com ele.

— Mãe, não é um segredo. — eu disse, tentando manter o tom calmo. — Eu ainda não tive tempo de contar para ele, mas é só por alguns dias. Não é como se eu estivesse sumindo. Ele entende essas coisas, assim como entendo quando ele precisa viajar a trabalho.

Ela me lançou um olhar cético, os lábios enquanto processava minhas palavras.

— Hum... então ele não sabe. — sua voz agora era quase um rosnado, e antes que eu pudesse responder, ela completou. — Eu iria acabar com aquele garoto se ele soubesse e não tivesse me contado. — disse com uma convicção exagerada, e eu sabia que parte disso era apenas dramatização.

Soltei uma risada curta, já imaginando a cena na cabeça dela. Claro que ela nunca faria nada, mas gostava de agir como se fosse capaz de confrontar qualquer pessoa.

— Mãe, sério, relaxa. — rebati, rindo levemente. — Eu não sou mais criança. Isso não é nada que vá mexer com ele. É só uma viagem curta e a trabalho. Ele viaja o tempo todo, e a gente confia um no outro. Está tudo bem.

Amor em Jogo - PiquerezOnde histórias criam vida. Descubra agora