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O silêncio ecoava pela casa como um fantasma. As palavras duras que eu e minha mãe trocamos ainda pairavam no ar, carregadas de mágoa e ressentimento. Ela havia partido abruptamente, levando consigo suas chaves e, para meu desespero, meu notebook.

A falta de lágrimas me surpreendia. Eu me sentia entorpecida, incapaz de processar a dor que me consumia. No fundo, eu sabia que a explosão era inevitável, que a tensão acumulada durante tanto tempo precisaria ser libertada. Mas, mesmo assim, a realidade da situação me atingia como um soco no estômago.

Meu notebook. Minha ferramenta pra estudo, meu, meu companheiro fiel nas batalhas da faculdade. Sem ele, eu me sentia perdida, desamparada, como se tivesse perdido uma parte de mim mesma.

Olhei em volta, buscando em vão por uma solução. O notebook da minha mãe também não estava em casa. A única alternativa era recorrer ao meu celular, mas os recursos limitados me faziam sentir ainda mais frustrada.

Respirei fundo, tentando acalmar a mente. As lágrimas ameaçavam cair, mas eu as reprimia com força. Agora, mais do que nunca, eu precisava ser forte.

— Eu ouvi a discussão de vocês. — Vera falou saindo da área de serviço, seu rosto expressando preocupação. — Eu não me meti porque não era o meu lugar de fala.

— Ela levou a droga do meu notebook, Vera. O que eu vou fazer? Sério, qual a droga da necessidade que ela tinha de fazer isso?! — desabafei, frustrada, enquanto me jogava no sofá.

Verinha ficou em silêncio por um momento, ponderando sobre as palavras. Logo depois, ela se sentou ao meu lado, e eu coloquei minha cabeça sob seu colo, buscando conforto em sua presença.

— Ela nunca vai saber aceitar as minhas escolhas. — suspirei, sentindo um peso nos ombros. — Eu acho que vou ir morar com o Lucas na Inglaterra. — soltei uma risada amarga, mas Verinha não acompanhou.

— Vai se sentir livre, mas e o coração? Ele vai continuar aqui. — suas palavras ecoaram no ambiente, deixando um peso no ar.

— Talvez se eu fosse pra lá, eu esqueceria de tudo aqui. — revirei os olhos, me sentindo tentada pela ideia de fugir dos problemas. — Eu acho que vou mandar mensagem pro Lucas.

— Você não pode fazer isso, Clara. Você tem uma vida aqui, não pode desistir agora. Eu sei que a sua mãe é bem cabeça dura, mas ir embora assim sem motivos seria covarde. — Verinha argumentou, tentando me fazer enxergar a situação com clareza.

— Às vezes o ato de coragem nos leva ao fundo do poço, olha só eu. — soltei um suspiro resignado. — Inventei de ter coragem e olha o que eu ganhei. Tratamento de silêncio.

Um silêncio pesado se instalou na sala, interrompido apenas pelo som solitário das minhas lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Tudo parecia diferente agora, como se estivéssemos em lados opostos de uma guerra silenciosa. Eu sabia que as coisas entre mim e minha mãe não seriam fáceis dali para frente, e o pior era saber que Piquerez acabaria sofrendo indiretamente com tudo isso. Ele não merecia nem de longe estar no meio dessa confusão.

— Por que você não vai pro jogo? — perguntou ela, quebrando o silêncio. — Você vai distrair a cabeça.

— Com a minha mãe e ele lá? Nem se eu fosse maluca, Verinha. — neguei e ela riu. — No máximo eu vejo na TV.

— Quer que eu faça mousse trufado? — sugeriu, e eu concordei com a cabeça, agradecida pela distração que só uma sobremesa dela poderia proporcionar.

Ela se levantou, me deixando ali, largada no sofá. Eu tentava conter as lágrimas, mas toda vez que lembrava dele com aqueles olhinhos brilhantes sorrindo para mim, minha visão se embaçava novamente.

Amor em Jogo - PiquerezOnde histórias criam vida. Descubra agora