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O frio daquela tarde me cortava enquanto eu caminhava pelo gramado do CT, o casaco pesado me envolvendo como um abraço acolhedor. Meus pés, já dormentes dentro do tênis, pisavam com cuidado na grama molhada pela garoa fina que caía. O treino havia acabado e a fome roncava no meu estômago.

— Onde arrumou esse casaco de frio? Você não tem nenhum.— minha mãe questionou com a voz firme.

A pergunta me pegou desprevenida, e a única resposta que me veio à mente foi uma mentira desajeitada:

— A enfermeira me deu. Falei que estava com frio.

Conhecia minha mãe bem o suficiente para saber que a verdade a levaria a um interrogatório interminável. Inventar uma história boba era a única forma de escapar da bronca.

Enquanto caminhávamos em direção à saída, o vento frio açoitava meu rosto, intensificando a fome que me consumia. O céu escurecia rapidamente, e pingos grossos de chuva começavam a cair, anunciando a tempestade que se aproximava.

— Vamos logo? Tô morrendo de fome.— reclamei com um tom suplicante.— Poderíamos passar em algum restaurante de japonês.

— Pode ser. — respondeu, pegando os óculos de sol com um gesto elegante. — Mas antes, eu preciso falar rapidinho com o Veiga.

— Você parece mais a técnica do que o próprio técnico.— ri enquanto ela se afastava.— Vou esperar aqui.

Voltei a me sentar no mesmo banco onde eu havia levado a bolada anteriormente. A dor ainda latejava na minha cabeça, mas eu tentava ignorá-la. Peguei meu celular assim que percebi que a conversa da minha mãe não seria tão rápida. Eu precisava de algo para me distrair.

Abri o Instagram e comecei a rolar o feed sem foco. Fotos de amigos, memes, notícias... nada me prendia a atenção. Até que, de repente, uma ideia surgiu na minha mente. Eu poderia pesquisar pelo perfil do Piquerez.

Com o coração batendo forte, digitei o nome dele na barra de pesquisa. E lá estava ele: @joacopiquerez. O perfil era verificado, com 1,1 milhões de seguidores.

Comecei a clicar nas fotos, uma a uma. Ele em campo, comemorando gols, treinando com os companheiros e em todas as fotos, ele estava insuportavelmente lindo.

Parei por um momento para pensar no que eu estava fazendo. Stalkeando o perfil do jogador que eu tinha acabado de conhecer? Eu me senti um pouco boba, mas não podia negar que estava me divertindo.

De repente, ouvi uma voz me chamando. Era um dos funcionários do estádio, que estava recolhendo as bolas espalhadas pelo campo.

— Ei, pode pegar aquela bola pra mim? — ele pediu.

Concordei em bom grado. Era uma boa maneira de me livrar daquela sensação de "culpa" por estar stalkeando o Piquerez. Levantei e fui até o início do campo, onde a bola estava.

— Clara, pode me emprestar o seu celular? O meu descarregou.— minha mãe pediu, interrompendo meus pensamentos.

— Tá bom, eu deixei ele em cima do banco de reservas.— avisei, apontando na direção indicada, antes de ir devolver a bola para o moço que esperava por ela.

— Qual é a senha?— ela perguntou, com um sorriso curioso nos lábios.

— Minha data de aniversário.— respondi, enquanto me perguntava por que ela precisava do meu celular.

Assim que ela digitou, um sorriso ainda mais largo apareceu em seus lábios e por um breve momento, eu me perguntei quais motivos ela teria para estar com aquele sorrisinho no rosto. Mas logo lembrei de que estava mexendo no Instagram, no perfil de Piquerez. Fechei os olhos com força só de pensar que tinha dado essa brecha de graça para a minha mãe.

— Obrigada.— o homem agradeceu, e eu apenas balancei a cabeça em resposta, sentindo-me cada vez mais envergonhada.

Eu não sabia onde enfiar a minha cara para tentar esconder a vergonha que estava sentindo. Respirei fundo antes de ir andando em sua direção, tentando disfarçar o desconforto com uma expressão neutra.

— Podemos ir agora? Já já eu caio dura aqui de tanta fome.— tentei parecer o menos tensa possível, enquanto meu estômago roncava de forma audível.

— Podemos. E você aproveita e me diz o que é isso.— minha mãe mostrou a tela do celular com um sorriso malicioso nos lábios.— Você estava fuxicando o perfil do Piquerez?

— Eu não estava bem fuxicando, eu só estava...

— Por acaso está interessada nele?— ela perguntou direta, sua expressão séria revelando uma mistura de curiosidade e preocupação maternal.

— Não, mãe. Quem está interessada nele é a Bruna.— menti, foi a única mentira que passou pela minha cabeça, enquanto tentava manter a calma e não dar pistas sobre minhas verdadeiras intenções.— Ela falou sobre ele e eu fui pesquisar.

Minha mãe me analisou por um bom tempo antes de concordar com a cabeça, seu olhar perspicaz parecendo penetrar minha alma em busca da verdade.

— Você sabe que eu não tenho nada contra você ou ela se interessarem por um dos meninos.— ela começou a falar enquanto começávamos a andar em direção à saída.— Mas você, especialmente você... Eu não acho que deveria cometer esse deslize.

— Deslize?— perguntei, perplexa com sua afirmação.

— Sim. Você é quieta, gosta de ficar no seu canto e odeia qualquer tipo de exposição. Se um dia você se tornar namorada de um deles, isso é tudo o que vai te acontecer, fora o...

Minha mãe fez sinal de chifres com as mãos e eu comecei a rir, aliviada por sua preocupação se manifestar de forma tão descontraída.

— Eu não tô interessada em ninguém.— falei, minha voz soando firme, mas meu coração se apertando diante das preocupações dela.

— Você pode se interessar por qualquer pessoa, desde que não seja um jogador de futebol. Você nunca namorou, em 22 anos de vida, não é necessário se traumatizar no primeiro relacionamento.— minha mãe aconselhou, sua voz suave carregada de preocupação, enquanto passava levemente as mãos pelas minhas costas, buscando conforto.

— Vai dizer isso pra Bruna, também?

— A Bruna já teve dezenas de namorados, sabe onde está se metendo.— ela sorriu, tentando aliviar a tensão do momento.— E a minha preocupação é você.

Um sorriso grato se formou em meus lábios, e eu deitei minha cabeça em seu ombro, buscando o conforto da sua presença.

— Você é meio difícil de lidar, Clara. Mas ainda é a minha única filha, eu te amo mais do que qualquer coisa nesse mundo. Não quero ver alguém destruindo o seu coração.— ela murmurou, sua voz embargada pela emoção.

— Para mãe, eu vou chorar.— ri nervosa, sentindo uma onda de gratidão e amor inundar meu peito.— Eu também amo a senhora.— beijei seu rosto, sabendo que suas palavras eram a expressão mais genuína do seu amor e preocupação por mim.

Entrei no carro, ocupando o banco do passageiro e coloquei o cinto de segurança. Minha mãe entregou em seguida e não demorou muito para sairmos.

— Olha lá, é assim que eles vivem.— ela disse enquanto eu estava mandando mensagens para Bruna, me distraindo por um momento.

— O que?— deixei o aparelho de lado, curiosa para ver o que ela estava apontando.

Ela apontou e eu pude ver o carro de um deles cercado de fãs. Eles ficavam amontoados nas laterais dos portões esperando eles saírem para pedirem autógrafos, fotos e abraços.

— Não acho que seja ruim você viver desse jeito. Aquelas pessoas gostam deles, por isso existe uma coisa chamada fã.— brinquei com ela, tentando minimizar a tensão que percebia em sua voz.

— Duvido que você ia gostar de ver um monte de mulher babando no seu namorado.— fez careta pra mim, e eu pude ver a preocupação em seus olhos.— Te conheço Clara Maria, eu te conheço.

— Me conhece tão bem ao ponto de saber que não gosto quando me chama pelo meu nome todo.— revirei os olhos.

— Mas seu nome completo não é só Clara Maria.

— Você entendeu, mãe.— suspirei, sabendo que ela sempre encontrava uma forma de me deixar sem argumentos, e ela riu.

Amor em Jogo - PiquerezOnde histórias criam vida. Descubra agora