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Depois de várias artimanhas frustradas para distrair Verinha e garantir que ele saísse sem ser detectado, finalmente chegou a minha vez de cair fora, antes que eu me atrasasse para o treino e minha mãe viesse atrás de mim com um sermão.

Corri até o meu quarto, onde meus pertences aguardavam pacientemente por mim. Peguei minha ecobag favorita, meus óculos de sol e o notebook.

Ao olhar para meu reflexo no espelho, dei uma última conferida no meu visual. Estava vestindo uma saia jeans de lavagem clara, e uma camisa estampada com o rosto do Justin Bieber, uma relíquia dos meus dias de fã. O sorriso involuntário surgiu em meus lábios.

Nos meus pés, deslizei minha botinha da Vans, não havia tempo a perder procurando algo mais elaborado, mas mesmo assim o conjunto ficou perfeito aos meus olhos, e eu estava satisfeita com o resultado.

Quase pronta para sair de casa, um pensamento repentino fez com que eu me desse conta de que havia esquecido minha garrafa de água. Sabia que no CT haveria água disponível, mas no trajeto, no conforto do meu carro, nunca podia faltar minha garrafa. Rapidamente, dei meia-volta e corri de volta para dentro de casa, indo até a geladeira em busca da minha preciosa garrafa de água.

— Quem era aquele? — Vera perguntou, retornando da área de serviço com um olhar inquisitivo.

— Aquele? Aquele quem? — respondi, enquanto vasculhava pela minha garrafa de metal entre os itens da geladeira. — De quem você está falando? Não tem ninguém aqui além de mim e você. — tentei bancar a mais inocente possível.

— Aquele moço bonito. — ela se aproximou, colocando as mãos na cintura. — Eu vi, está bem? Não pense que eu não vi. Quem era? E se não me contar, vou perguntar ao Carlos!

— Oh, Vera! — cruzei os braços, tentando manter a calma. — Ele é apenas um amigo.

— Um amigo que fez você dormir com a porta trancada? — ela levantou uma sobrancelha, claramente desconfiada. — Sua mãe sabe que ele passou a noite aqui? Com você, no seu quarto?

— Ela não sabe e nem vai saber, certo, Verinha? Podemos fazer um acordo aqui? — tentei apaziguar a situação.

— Não quero mentir para sua mãe.

— Basta fingir que você não o viu aqui. — tentei sorrir, esperando convencê-la.

— E fingir que não ouvi você gemendo? Acho que é um pouco demais, não acha? — ela segurou o riso, provocando. — Me diz quem é, e eu penso se devo ou não contar para sua mãe.

— Primeiramente, eu não estava gemendo. — pontuei, mesmo sabendo que era uma mentira descarada. — Segundo, por que quer tanto saber? O que vai mudar?

— Você estava gemendo sim, acha que eu não sei? — ela riu, desmascarando minha tentativa de negação. — E o que vai mudar é eu saber se você está segura ou não. Vai que você esteja ficando com qualquer maloqueiro dessa cidade?

— Você sabe que eu não faria isso. — revirei os olhos, um tanto irritada com a insinuação.

— Então me diz quem é. — ela cruzou os braços, adotando uma postura firme. — Eu te considero como uma filha, assim como cuido da minha, quero cuidar de você.

— Ok. Apelou para o lado emocional, isso não é justo. — falei, dramatizando um pouco a situação. — Eu conto se você prometer que não vai dizer nada para minha mãe sobre o que aconteceu.

Sugeri, e ela pensou por alguns momentos.

— Pensa logo, eu tenho que ir para o CT. — avisei, sentindo a urgência do tempo.

— Ok. Prometo. Agora me diz quem é. — ela finalmente cedeu, ansiosa por uma resposta.

— Um jogador do Palmeiras.— falei correndo até a porta.

— Eu quero saber quem é! Lá tem vários. — Vera insistiu, querendo mais detalhes.

— Piquerez, Vera. O nome dele é Piquerez. — anunciei, enviando um beijinho para ela antes que as portas do elevador se fechassem, deixando-a atônita com a revelação.

Após enviar mensagens para minha mãe, informando que já estava a caminho, recebi a resposta característica dela: um emoji aleatório que sempre me arrancava risos. Enquanto o elevador descia até o térreo, me mantive absorta em meu celular, trocando mensagens com as garotas da faculdade, até que a voz de Carlos rompeu meu mundo digital.

— Bom dia, Clara. — ele disse, sua expressão carregada de desconfiança. — Posso falar com você por um minutinho?

— Bom dia, Carlos. Tem que ser agora? — respondi, sentindo a ansiedade crescer em mim. — Eu preciso ir para algum lugar com muita urgência.

— Bom. Se eu não falar com você, vou ter que falar com a sua mãe. — Ele disse, afastando-se da portaria para um local mais reservado.

— O que houve? — perguntei, preocupada com a seriedade em seu tom de voz.

— Aquele rapaz que você disse ser seu primo ontem à noite, não era seu primo, né? Eu sabia que tinha visto a cara dele em algum lugar, mas não sabia onde. Ele passou por aqui mais cedo, quando foi embora, e uns moleques que estavam ali em frente começaram a chamá-lo e tirar fotos. — Carlos começou a falar, e meu coração começou a bater tão forte que eu achei que ia explodir. — Como já estava um pouco com o pé atrás, fui perguntar a eles quem era o rapaz.

— E?

— Ele é jogador de futebol e o nome dele não é Lucas. — apontou, sua expressão carregada de decepção. — Você mentiu, Clara. E pior, mentiu para mim, fazendo com que eu colocasse informações erradas nos registros de entrada. Isso é grave e você sabe. — ele disse, e eu me senti inundada por um sentimento de remorso.

— Me desculpa. — eu mal conseguia encontrar palavras para descrever minha vergonha. — Só não fala para a minha mãe, por favor.

— Eu entendo que ele deva ser seu namorado e você não quer que ela saiba, mas quando for assim, converse comigo e eu dou um jeito. Mas não minta, posso perder o meu emprego. — Carlos explicou, seu tom de voz carregado de desapontamento.

Meu coração se despedaçou. Eu me sentia a pessoa mais egoísta do mundo! Nem sequer tinha pensado nas consequências que minhas mentiras poderiam acarretar para Carlos. Na verdade, só tinha pensado em satisfazer meus próprios desejos.

— Você vai contar para minha mãe?

— Não. Mas não vou porque sei que você é uma boa menina, não fez isso por mal, e sei que isso não vai se repetir, né? — Carlos respondeu, tentando amenizar a situação.

— Sim. — concordei, sentindo o peso da culpa. — Me desculpa mesmo, Carlos, e obrigada pela gentileza de não contar para minha mãe.

Dei um abraço gentil nele antes de sair correndo para a rua. Foi então que percebi que tinha esquecido completamente das coisas. O que eu estava fazendo na portaria se deveria ter ido direto para a garagem? O nervosismo ainda dominava meus pensamentos enquanto eu me apressava para corrigir meu equívoco.

Foi então que eu percebi que o destino me fez descer ali justamente para me encontrar com Carlos e ouvir tudo o que ele tinha para me dizer. Voltei correndo para o elevador e segui para o andar certo.

Talvez se eu não tivesse descido naquele andar, eu não teria conversado com Carlos, e ele provavelmente teria tido aquela conversa com minha mãe. Isso seria devastador, pois se ela ficasse com raiva ao descobrir sobre mim e Piquerez, ficaria ainda mais furiosa ao saber que ele tinha estado em nossa casa e dormido com a filha dela lá. Era um alívio pensar que o acaso havia me dado a chance de corrigir meu erro antes que as coisas saíssem do controle.

Amor em Jogo - PiquerezOnde histórias criam vida. Descubra agora