Capítulo- 56 Sentimentos

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  O nosso amor a gente inventa pra se distrair e quando acaba, a gente pensa que ele nunca existiu.

 Cazuza  

Corretor ortográfico   ewertonalves93


Três dias se passaram. Abraão estava na sala, sorrindo junto à Alyrya, que despejava delicadeza ao olhá-lo profundamente. A ligação dos dois estava ainda mais forte, e com o passar do tempo o coração dela pulsava intensamente quando o espiava pelas gretas da cortina de seu quarto. Ela o observava treinando no jardim, sem camisa,
exibindo seu corpo absolutamente definido. A conversa não parava; ela não parava de imaginá-lo junto dela. Pela primeira vez sentira o que era o amor, uma atração que nunca sentira, um calor que a invadia quando se punha a pensar.
Karem havia saído mais uma vez com seu afilhado Isaías para algum lugar do reino, sem avisar a ninguém, o que já era seu costume. A sala estava fria, apesar de a lareira queimar firmemente em frente ao sofá aveludado. E Varyos os observava calmamente da escada, em silêncio. Uma lágrima quase escorreu, mas como um duro general seus sentimentos não andavam lado a lado com sua razão.

- Talvez eu devesse dar ao garoto um voto de confiança, pois ele deu a Alyrya o que eu jamais pude dá-la. No entanto eu já esperava por esta atitude dele. Se Abraão soubesse que só não o matei por imaginar que ele poderia drenar o mal de dentro dela, e ser apenas um pião dentro de minhas vontades, creio que ele não me admiraria tanto assim. Neste mundo não dá para ser bom o tempo todo, precisamos e devemos ser implacáveis! – Pensou o general consigo mesmo, vendo a felicidade dos dois.
Com largos sorrisos e olhares de extrema confiança ele apoiou o corpo sobre a parede branca, coçando sua barba enquanto se perdia em mais pensamentos – Há tempos que preciso fingir este sentimento para muitos a minha volta, eles os tem com tanta naturalidade ... Abrão vai fazer esta missão e depois verei o que devo fazer com ele, pois não quero que minha filha se apaixone ainda mais. Agora ela está linda... Poderei arranjar um casamento afortunado, assim ela não dependerá de mim para sempre. – Ele raspou bruscamente a garganta, o que fez Abraão se assustar. Alyrya parou de sorrir, olhando para seu pai, que se aproximava.

- Pai, só estamos conversando. Se quiser volto para meus aposentos.

- Não parem por minha causa, Alyrya. Hoje te vejo diferente, sorrindo, e com o rosto corado. Este bruxo do seu lado foi um deus na terra para você, e também para nossa família. – Varyos deu um pequeno sorriso – Não precisa mais pedir para fazer as coisas o tempo todo, está bem?

- Então assim o senhor pode voltar a me amar... – disse a jovem ao olhar o velho general. 

- Eu nunca deixei de amá-la, mas odiava seu mal e me odiava por não poder ajudá-la.
Por isso não podia permitir que saísse, pois seu antigo mal era punido com a morte... Ai daqueles em que os poderes não habitam confortavelmente em si! Infelizmente são considerados imundos, até você. Mesmo que o Rei tivesse decretado que você não tinha o mal eu não poderia permitir sua saída, pois era nítido que o povo pediria sua morte, apenas por acharem que Únifico não olhara para você como olhara para eles.

- Então porque fora tão duro comigo todos esses anos? Não conversou nem explicou, e ainda me abraçou, me chamou de filha.

- Porque a minha vontade era correr de braços dados com você pelas ruas. Como não podia eu não suportava ver seus olhos tristes, é isso! – disse Varyos sério – Quando se sentir bem para falar comigo vamos conversar. Abraão venha à minha sala, pois chegou o momento.

- Sim senhor – disse Abraão sério ao deixar a jovem, que se entristeceu no sofá. Ele subiu as escadas logo atrás do general até o escritório, que estava bem claro.

- Sente-se Abraão.

- Sim senhor. – Respondeu ansioso. 

- Preste atenção: o filho do Rei pode estar vivo, preso no reino humano. Isso significa que ele tem apenas mais alguns dias, mas creio que já esteja morto e bastante arrebentado. Por isso sua principal tarefa não vai ser salvá-lo, e sim a de trazer cabelo humano para mim, como lhe falei. Jamais comente a meu filho nem a ninguém sobre essa missão, pois Isaías acha que é apenas para resgatar Tberyos.

- Eu compreendo, general. E será feito. – disse Abraão com as sobrancelhas frisadas, olhando bem para o general. 

- Você será bem recompensado por isso, eu prometo. Isaías já sabe de tudo que ele precisa saber. Vocês partirão amanhã à noite, e chegarão à Floresta Nevada. De lá atravessarão a pé. Deverão ter cuidado com a patrulha humana. Se encontrar algum,
a ordem é matá-lo rapidamente e de forma indolor, usando o mínimo de poder.
Não posso te explicar nada, pois nunca fui até lá. Mas pelos registros históricos há um grande precipício no interior da floresta, já dentro do reino humano, bem perto de onde havia o reino celta que Fylip destruiu. Provavelmente há uma cidade ou reino, porque as tropas que pude ver só podem ser de lá. O homem que liderava a cavalaria humana, quando os vi, era alguém diferenciado. Sei que são apenas humanos mas não os subestime, pois eu senti que ele percebia minha presença de alguma forma.

- Sim senhor. Parece que não vai ser tão complicado. Creio que faremos tudo muito rápido. 

- Espero que sim. Quando voltar venha direto à minha casa. Só depois iremos ao castelo real. Talvez irei esperá-los na saída da floresta, dentro do nosso reino. – Varyos se levantou, indo até um grande armário e pegando um velho papel enrolado – Neste pergaminho há um feitiço. Acompanhe-me até lá fora, rápido. – ele saiu a passos largos, e Abraão o acompanhava bastante curioso.

O Sol já estava se pondo quando chegaram ao jardim, perto da grande figueira.
Era um lindo cenário, o céu laranja visto por entre os espaçosos galhos das árvores.
Nesse momento apareceu Isaías, um pouco cansado. Seus olhos estavam vermelhos e suas roupas amarrotadas. Ele se juntou aos dois sem dar uma palavra.

- Achei que não viria mais, filho. – disse Varyos, observando-o.

- Estava ocupado, pai. Mas já está tudo bem. – ele arrumou suas vestes, se aproximando mais.

- Pois bem. Este pergaminho contém um feitiço proibido, conhecido como abutrerytomely.

- Este feitiço... É muito perigoso! Será mesmo necessário, pai? – indagou Isaías, bastante espantado.

- Concordo com Isaías. – Abraão olhava seriamente para o pergaminho ainda fechado – Se for o mesmo que creio ser é algo que atrairá os caçadores rapidamente, se for usado. 

- Acalmem-se, ninguém saberá que estão usando-o. E não se preocupem com os caçadores, o feitiço é bem camuflado. Eu mesmo já o usei em uma ocasião importante.

- Eu já vi um caçador, senhor. Eles são seres bem assustadores. Eu pensaria muito antes de me arriscar, pois não há como lutar com aquilo.

- Você já viu um dos caçadores, Abraão? Depois me conte isso com calma. Quer falar algo, Isaías? Sinto que está com o pensamento vago, bem longe daqui. É algo com sua namorada?

- Não pai, está tudo bem. Prossiga, explique como eles não saberão do feitiço. – disse Isaías, desconversando. 

- Como eu acho que o príncipe já está morto, estou dando um bloqueador a vocês.
Isso fará com que eles jamais encontrem vocês. Eu mesmo os criei. E também por causa da distância não há com o que se preocupar, mas só abram o pergaminho no momento exato. Conjurem o feitiço sobre o rosto de Tberyos, porque dependendo do dano físico ele voltará à vida instantaneamente.

- Certo pai, mas você sabe dos riscos. 

- Sim. Há uma chance de vir qualquer outra alma. Por isso é extremamente proibido.
E é exatamente por isso que vocês levarão uma mecha de cabelo do próprio príncipe.
Coloquem-na junto do pergaminho e tudo se encaminhará bem. Mais uma coisa; pensei melhor sobre qual a melhor hora de saírem. É melhor partirem amanhã de manhã, antes de o Sol nascer sobre as montanhas. Retornarão daqui a vinte dias, com Tberyos vivo para os braços do Rei. Ou não , Esta missão é a mais importante deste reino, vocês não podem fracassar. Tudo que falei a vocês deve ser levado ao pé da letra, sem hesitação alguma. – disse Varyos ao olhar para Abraão, que confirmou com a cabeça, entendendo perfeitamente o recado.



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